RONALDOEVANGELISTA


De onde vem esse balanço maneiro?



Lá de Belém do Pará, diz o refrão, mas e o Ceará nessa história? Das origens do ritmo como gênero às influências que exerceu por exemplo em Fortaleza, o Carimbó - ritmo afro, nossa cumbia, o forró de Belém - é o protagonista do documentário Piranha (música-título poderosa de Alypyo Martins), em fases de finalização e estrelando mestres como Pinduca, Pim, Vieira, trailer no play acima e que venha com glórias merecidas.

Marcadores: , ,

confiem no mistério



Não consigo imaginar outro ator que não Paulo José convencendo e prendendo olhar e atenção assim já nessa cena inicial do "Insolação", Felipe Hirsch e Daniela Thomas, que aliás tem exibição extra amanhã sábado às 16h, dentro da retrospectiva Cinema Brasileiro 2010 do CineSesc.

Marcadores: , , ,

outros DOZE discos legais de 2010

Filhos de Gandhy

the boys move fast you should take it slow



Nunca é por acaso quando pessoas diferentes em situações diferentes comentam pela mesma época um vídeo, uma música, um disco, uma banda. Se for uma banda especial como o Very Best no coração quentinho da África, então, só pode significar um bom momento.

Marcadores: , ,

meu individualismo



Gabrielle Bell, só mais um exemplo dessa nossa era de ouro dos quadrinhos anti-hype.

Marcadores: ,

Esteja cá já



As ondas do mar, a praia, o vôo dos pássaros. Silêncio e som, solidão e companhia, tudo é tanto amor. Caetano Veloso empresta a composição, o andamento e clima, segunda do lado B do primeiro disco de Fafá de Belém, 1976, arranjo de Wagner Tiso. A descrição contemplativa da natureza e dos reflexos sensíveis interiores dimensionam o horizonte dos sons de violão, baixo, bateria, oboé, violoncelos, pulos de compassos, passeios por tons, beleza quase etérea mas com os pés sentindo o chão. Não muito longe das vozes de hoje de Céu com Beto Villares, Cibelle, Mariana Aydar. "Cá já", música de suspiro, música do tamanho do mundo de fora e de dentro, definitivamente a melhor música do mundo, praticamente um doce de cajá.



Vejo que areia linda brilhando cada grão
Graças do sol ainda vibram pelo chão
Vejo que a água deixa as cores de outra cor
Volta pra si sem queixa, tudo é tanto amor

Esteja cá já
Pedra, vida, flor, seja cá já
Esteja cá já
Tempo, bicho, doce, jaca já
Doce já cá já
Jandaia aqui agora

Ouço que tempo imenso dentro de cada som
Música que não penso, pássaro tão bom
Ouço que vento, vento, ondas, asas, capim
Momento, movimento, sempre agora em mim

Esteja cá já
Pedra, vida, flor, seja cá já
Esteja cá já
Tempo, bicho, doce, jaca já
Doce já cá já
Jandaia aqui agora

Marcadores: , ,

Céu & Guilherme Arantes



E a Céu cantando "Planeta Água", do Guilherme Arantes? Se explica alguma coisa, é para a sala sobre água do Museu das Minas e do Metal, em Belo Horizonte.

Marcadores: , , ,

VENENO & Rita Lee



Amanhã à tarde, pleno sábado, o coletivo VENENO Soundsystem cola no Lions Club para fazer a trilha do já notório Bazar Rita Lee, figurinos, badulaques, instrumentos (até a flauta!). Eu já vou ficar bem feliz se voltar pra casa com um LP Tecnicolor.

Marcadores: , , ,

DOZE discos legais de 2010













Marcadores: , , ,

fetichismo

No mesmo embalo do artigo sobre Tim, logo abaixo comentário meu publicado na Ilustrada de hoje, sobre o momento em que as grandes gravadoras parecem virar agências de fonogramas, como as editoras são procuradoras das composições. Os próprios produtos físicos já são comumente terceirizados, vide a série Clássicos em Vinil da Polysom, os CDs da Coleção Cultura ou as edições da Dubas. // Relançamentos de música brasileira por aqui são poucos, em vinil conta-se nos dedos das mãos. Mas estão cuidando disso (das maneiras mais oficiosas às mais caras-de-pau) estrangeiros como 4 Men With Beards, Dusty Groove, Soul Jazz, Ubiquity, Luaka Bop, Él, Kindred Spirits, pra não citar os inúmeros selos europeus anônimos. Se no Brasil o fetiche ainda é meio molambo, mundialmente o enorme potencial de mercado já anda sendo bem explorado, especialmente pelos pequenos selos - notoriamente mais ágeis em produzir, se adaptar e achar o alvo. Se você não é o maior, já está trabalhando com segmentação: o golpe de mestre é saber o quê pra quem e realizar todo o potencial disso. Tudo que não é luxo é mato.



Até outro dia, o papel de uma gravadora era perfeitamente claro: descobria artistas com potencial pop, ajudava a estruturar carreiras, custeava, comercializava e distribuía gravações, auxiliando em divulgação e marketing.

Com a tão falada democratização dos processos de gravação e a facilidade irrestrita de distribuição virtual, os papéis mais essenciais das companhias fonográficas foram colocados em xeque. Se antes as maiores mutinacionais de disco do mundo eram chamadas de Cinco Irmãs e controlavam praticamente toda a indústria que girava em torno da música gravada, atualmente são três ou quatro, que perdem dinheiro ano a ano.

Contra os custos de gravação, produção, arte, sem os investimentos pressupostos no lançamento de novos artistas, existem os catálogos, coringas certos nas listas de lançamentos. O lado bom de ser uma major e uma das tarefas mais importantes da música como comunicação, cultura, história: cuidar do acervo e manter vivas as glórias passadas.

Jorge Lopes, da EMI, comentou em reportagem na Ilustrada (em 7/7/10) que o catálogo gerava 60% da receita da gravadora, versus 40% de investimento. Público formado, sem custos ou investimentos, discos clássicos: lucro certo.

Ao mesmo tempo, no mínimo centenas de gravadoras pelo globo já entenderam esse jogo e cuidam de relançamentos em diversos níveis de legalidade, mas com alto padrão de capas, encartes, áudios, extras.

Relançar é contextualizar, não apenas não colocar no mercado. Se os fãs antigos já possuem os discos em todos os formatos que não são inéditos e os fãs novos e casuais estão mais próximos da internet que das lojas, a solução parece ser o fetichismo de um trabalho de enriquecimento de áudio e pesquisa de extras e informações para o colecionador ou a atração de um belo pacote de apresentação ao novo consumidor em potencial.

Marcadores: , , ,

TIM MAIA e a invenção do soul brasileiro

Capa da Ilustrada hoje, texto meu sobre Tim Maia, em especial seus primeiros passos, a propósito de um recém-lançado box com antigos álbuns em versão CD.




Exatamente quarenta anos depois do lançamento de seu primeiro álbum, Tim Maia continua entre os nomes mais procurados e vendidos das lojas de música. Ao menos nos sebos de vinis, porque os CDs andavam há mais de uma década fora de catálogo no Brasil.

Para quem ainda compra CDs, muito bem-vinda portanto a caixa dedicada ao catálogo de Tim Maia dentro da gravadora Universal, com oito discos lançados pelo cantor e compositor entre 1970 e 1984, mais um DVD de show realizado em 1989. Especialmente indispensáveis são os quatro primeiros discos da caixa, também primeiros álbuns da carreira de Tim Maia, também primeiros discos da fundação de algo como uma soul music brasileira.

ALMA SOUL
Quando Tim Maia surgiu no panorama, em 1970, não havia modelo, parâmetro ou rival para o que fazia. Seus primeiros discos, além da irresistibilidade de suas composições e do poderio de sua voz, traziam saltos de anos luz em termos de balanço e musicalidade, timbres de bateria, grooves de baixo, uso moderno de órgão, sopros, vibrafone, flauta, falsetes, com doçura brasileira e alma soul - com o charme do pleonasmo bilíngue.

Havia o comentário pontual de nomes como a Banda Abolição de Dom Salvador e os Diagonais de Cassiano. Mas até o surgimento de uma cena mais disseminada, por volta de 1976, com as bandas Black Rio e União Black, e mesmo depois, toda a black music brasileira era mais sincera e amplamente influenciada por Tim Maia do que qualquer artista estrangeiro. E até hoje, 2010 virando 2011, a concepção musical e personalidade apresentadas por Tim Maia em seus discos iniciais soam completamente atuais em época de recuperação da soul music em escala mundial e de redescoberta da riqueza da vertente brasileira do estilo entre cantores, músicos, DJs, colecionadores, pesquisadores, brasileiros, gringos e interessados em geral.

NOVA YORK E JOVEM GUARDA
Garoto da Zona Norte do Rio, amigo da Tijuca de Roberto, Erasmo, Jorge Ben, Tião virou Tim quando resolveu ir para os Estados Unidos: de 1959 a 1964, 16 a 21 anos, morou em Nova York e teve contato em primeira mão com a cena estadunidense de música negra, que explodia com, por exemplo, os primeiros singles da famosa gravadora Motown. Chegou a formar o quarteto vocal The Ideals e ensaiar os primeiros passos semi-profissionais, mas o sonho americano não durou: acabou preso e expulso do país por posse de substância ilegai e roubo de carro.

De volta ao Brasil, no reencontro com a turma e com novas amizades como Nelson Motta, estourou em 1969 com "Não vou ficar" na voz de Roberto Carlos e "These are the songs", em dueto com Elis Regina. No ano seguinte, quando gravou seu primeiro elepê, ficou meses em primeiro lugar nas paradas de vendas, chegando a desbancar seu colega de infância, agora popstar, Roberto.

INGLÊS
É quando começa a história contada pelos discos no box: com seu talento sobrenatural, voz de trovão, personalidade maior que a vida e poderio de carisma, navegou na fama nacional e foi aproveitando para lançar discos cada um melhor que o anterior, todos nota dez, todos levando a ideia de um funk brasileiro um passo à frente. E todos com momentos em inglês, como uma espécie de cumprimento às influências americanas.

As faixas em inglês, aliás, chegaram a ser compiladas em um álbum planejado pela gravadora norte-americana Luaka Bop, a mesma que ajudou na fama internacional de Mutantes e Tom Zé: “Nobody Can Live Forever: The Existential Soul of Tim Maia”. Até hoje as negociações não terminaram - o espólio de Tim é regido com complexidade, entre centenas de processos que ainda existem contra seus excessos e excentricidades de quando em vida.


OS DISCOS DO BOX

TIM MAIA 1970
Em inglês: "Jurema"
Os hits: "Primavera", "Azul da cor do mar",
Preste atenção: "Padre Cícero", "Risos"

O primeiro disco, sucesso nacional e as primeiras sementes plantadas de funk brasileiro, baião-soul, baladas e grooves. Com Cassiano na guitarra.

TIM MAIA 1971
Em inglês: "I don't know what to do with myself", "Broken heart"
Os hits: "Não quero dinheiro", "Não vou ficar", "Você"
Preste atenção: "I don't care"

Continuação e evolução do primeiro disco, ainda com versões autorais de “Você” (antes gravada por Eduardo Araújo) e “I don’t care” (antes gravada em português por Erasmo). Com Hyldon e Paulinho nas guitarras.

TIM MAIA 1972
Em inglês: "Where is my other half", "My little girl"
Os hits: "Canário do reino", "O que me importa"
Preste atenção: "O que você quer apostar", "Sofre"

Disco sofrido, sentimental e brilhante, com várias em inglês e novos hits pra coleção. Com Paulinho e o prório Tim nas guitarras e Carlos Dafé no órgão.

TIM MAIA 1973
Em inglês: "Over again", "New love", "Do your thing, behave yourself"
Os hits: "Réu confesso", "Gostava tanto de você"
Preste atenção: "O balanço"

O último disco de Tim antes de mergulhar na Cultura Racional e abandonar as grandes gravadoras, com sua banda chegando no ápice, misturando soul e samba. Paulinho Guitarra liderando a banda.

TIM MAIA 1976
Em inglês: "Nobody can live forever", "Márcio Leonardo e Telmo"
O hit: "Rodésia"
Preste atenção: "Sentimental"

Depois do intenso mergulho nas idéias do Universo em Desencanto, Tim voltou com seu novo funk pesado aos temas de amor e vida. Gravou o disco independente, mas lançou pela Polydor (hoje Universal). Arranjos de Arthur Verocai.

TIM MAIA 1980
O hit: "Você e eu, eu e você"
Preste atenção: "Meu samba"

Depois de passagens pela Som Livre e EMI, Tim volta à Polydor. Agora com a sonoridade de groove oitentista típica da dupla Robson Jorge e Lincoln Olivetti.

O DESCOBRIDOR DOS SETE MARES 1983
O hit: "Me dê motivo"
Preste atenção: "Terapêutica do grito"

Novo megasucesso nacional com a ajuda de Sullivan e Massadas, novo ponto alto pra carreira de Tim.

SUFOCANTE 1984
O hit: "Bons momentos"
Preste atenção: "Ga-guejando"

Com sua fórmula azeitada, alternando entre baladas românticas e grooves, ao lado da banda Vitória Régia, Tim interpreta Dafé, Cassiano, instrumentais.

TIM MAIA IN CONCERT DVD 1989
Os hits: todas
Preste atenção: "Sossego"

Filmado no Hotel Nacional do Rio de Janeiro, Tim canta seus hits com a banda Vitória Régia e grande orquestra.

Marcadores: , , ,

desengano da vista é ver de perto





As coisas especiais vivem como que suspensas em seu próprio tempo e espaço. A força das grandes ideias e expressões artísticas é passar a existir, independente de. Em 1968, produzido por Hélcio Milito, baterista do Tamba Trio, Pedro Santos, Sorongo, mergulhou nos pensamentos e sons que tinha dentro de si e criou a obra-prima Krishnanda - única em seu estilo, gênero, abordagem, musicalidade, sonoridade, espiritualidade, filosofia. Em 2010, a galera inspirada do Bixiga 70 mergulhou em Pedro Santos e recuperou "Desengano da vista", em profundo arranjo afro. Plays acima, versão original Krishnanda 68 e Bixiga ao vivo duas vezes semana passada: sábado na Voodood Hop, prédio do antigo Masp, e quarta no Astronete, em versão redux. Vaidade, todo mundo tem.

Marcadores: , , , , , ,

prisma harmônico

Johnny Alf, em 1952 aos 23 anos, virou o pianista fixo da Cantina do César de Alencar, point boêmio da Copacabana da época, frequentada por João Donato, Nora Ney, Dick Farney e um João Gilberto ainda de vozeirão. Trecho abaixo, de Música Popular Brasileira, livro do Zuza de 1976, Johnny explica o jazz, a bossa nova, contratempo, balanço e conta de alguns momentos cruciais para o desenvolvimento de toda a música na segunda metade do século XX.



No jazz o pianista quando faz o acompanhamento, nunca toca os acordes marcando os tempos: o pianista de jazz fica cercando o solista naquele prisma harmônico da música, apenas nas passagens necessárias. A música é que orienta a ele, e ele, por sua vez, ajuda harmonicamente o solista. Não há uma marcação certa, regular, mas uma espontaneidade rítmica do pianista em função da harmonia. A batida da Bossa Nova tem justamente um pouco disso porque no caso de um cantor que se apresenta só com violão, ele se utiliza do instrumento como um cerco para suz voz, como o pianista e o solista de jazz. E assim a marcação em contratempo resulta num balanço diferente. Esse balanço não havia na música tradicional que era muito mais pesada. O sincopado da Bossa Nova deu uma espécie de identidade ao movimento.

Eu pude explicar facilmente porque esse cerco era uma coisa que eu fazia: eu tinha justamente mania de harmonizar e me acompanhar não marcando. O João Gilberto ia muito à Cantina do César de Alencar e ficava horas e horas do meu lado, me vendo tocar e se entusiasmava com o meu modo de acompanhar, isso eu me lembro bem. Cantando ele já tinha uma divisão bem afastada do habitual e eu me sentia muito bem acompanhando ele, principalmente harmonicamente: o que eu fizesse, não tinha problema. Dessa intimidade, pode ter se dado alguma idéia.

Há muitas músicas inéditas minhas que ele sabe.

Marcadores: , , , ,

Gonçalo Junior & Loris Foggiatto

Nunca se conheceram, mas é maravilhosa a história de como Gonçalo encontrou o que chama de Maior Tesouro das HQs do Brasil - só uma parte do acervo compilado pelo artista plástico e professor Loris ao longo de todo o século XX: dezenas de milhares de revistas, gibis, jornais, livros, fotografias, quadros, recortes em uma casa na Rua Umberto I, Vila Mariana. // Quem sempre falou do Gonçalo é o Eugênio, quem deu o toque do blog dele foi o Matias. A história do encontro com as memórias de Loris, Gonçalo contou por aqui ou vai lendo abaixo.



Muitos amigos conhecem essa história que vou contar aqui. Só que vou fazê-lo com mais detalhes, por que é algo muito raro de acontecer com quem coleciona ou pesquisa sobre quadrinhos no Brasil ou em qualquer parte do mundo. Sim, porque jamais me considerei colecionador. Apenas leitor e interessado em sua história editorial no Brasil.

Vamos ao fato.

Janeiro de 2010. Um dia qualquer que não me lembro com precisão. Estava eu atolado na biografia do sambista baiano Assis Valente, aquele que fez clássicos como "Cai cai balão", "Boas festas" (Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel) e "Brasil pandeiro". Tarefa oceânica. Não é fácil falar de um cara que morreu há 52 anos, pois todos os seus contemporâneos praticamente partiram desta para melhor. Restava-me vasculhar arquivos de jornais e revistas para preencher lacunas importantes desse artista que tentou se matar seis vezes, até ter sucesso na última.

Descobri, então, que a revista semanal Carioca, do grupo editorial A Noite (circulou entre 1936 e 1955), publicou muita coisa importante sobre Assis. Era semanal, o que demandaria uma pesquisa extensa e intensa na Biblioteca Nacional do Rio Janeiro. Fui ao site Mercado Livre para ver se havia algum exemplar à venda e cuja descrição citasse o compositor. Encontrei vários números, porém nenhum com o nome de Assis citado e cujos preços variavam de R$ 20 a R$ 40.

Desânimo total. Foram lançados ao menos 800 números da revista, em 19 anos. Era preciso mesmo procurar uma biblioteca. Mas eis que vi um anúncio inusitado: alguém vendia 25 números de Carioca por R$ 50 - depois saberia que se tratavam dos volumes 1 a 25, um preciosidade. Ou seja, R$ 2 cada. Apertei o clic e comprei a mercadoria, com alguma desconfiança, pois é muito comum a confusão de que se está vendendo um lote, mas o preço se refere a cada exemplar. Enfim, não me parecia possível que custassem tão pouco.

Esperei um mês e não recebi nenhum retorno do vendedor com o número da conta bancária para fazer o depósito. Já tinha até me esquecido. No desespero em busca de novas informações sobre Assis, lembrei da compra. Liguei para o vendedor e um senhor simpático me atendeu - descobri depois que tinha 75 anos. Disse se lembrar da minha compra e pediu desculpas pela falta de retorno, pois havia machucado gravemente o braço esquerdo. Prometeu me passar o número da conta por e-mail.
Perguntei se ele tinha mais Carioca. "Bastante", respondeu ele.

E outras revistas? "Sim".

Quadrinhos? "Sim".

Pode me mandar uma lista? "Sim".

A relação chegou no dia seguinte, via e-mail. Era pequena e incluia títulos como O Cruzeiro e Shimmy, lendária revista erótica da década de 1920 que nego vendia na época pelo Mercado Livre a R$ 390 cada. Essa publicação era muito importante para mim porque nela Assis publicou uma série de cartuns no ano de 1928, quando tentou a carreira de cartunista antes de virar protético e compositor.

Não resisti e liguei para o senhor imediatamente.

Seu João (nome fictício) me contou uma história que não presteio muita atenção: essas revistas estavam em bom estado e pertenceram ao sogro dele, que morreu no ano passado, aos 96 anos de idade. Ele me disse que morava numa cidadezinha da Grande São Paulo e propôs que eu fosse no sábado seguinte à casa onde estavam as tais revistas - o local permanecera fechado desde a morte do dono.

Encontrei um sobrado de cinco quartos. Ficava na Vila Mariana, em São Paulo. Cheguei por volta das 14h e ele e a esposa me esperavam. Duas pessoas muito gentis. Entrei na casa e não acreditei no que vi: dezenas de milhares de revistas ensacadas com etiquetas que as identificavam. Eram quartos e mais quartos semelhantes: estantes abrigavam aquele mundo inimaginável de revistas.

Eu me aproximei de uma das prateleiras e o que vi me provocou uma tremedeira nas pernas. Não podia acreditar que estava naquele lugar e que aquilo tudo realmente era real.

Tentei falar, o coração acelerou e comecei a gaguejar com que estava diante de mim: cerca de QUINHENTOS NÚMEROS DE O TICO-TICO, publicados entre 1908 e 1957.



Dos muitos pacotes plásticos cuidadosamente identificados com etiquetas havia centenas de números de O Tico-Tico - saberia depois que eram vários anos completos, entre 1915 e 1935, numa média de 52 números para cada ano. Meus olhos repousaram em quantidade semelhante da revista semanal de humor O Malho, marco do jornalismo e do humor gráfico, lançada em 1902 e que circulou até a década de 1950. Noutro canto, havia uma pilha de almanaques anuais de O Tico-Tico (o mais antigo, de 1909, que muita gente pensava ser lenda urbana). Noutro canto, a revista literária VAMOS LER!, do número 1 ao 800, coleção completa, sem faltar nada.

A casa era um biblioteca fantástica, que deixaria Jorge Luis Borges em êxtase. Principalmente para os fãs de quadrinhos. De 1940 a 2008, o solitário morador daquele lugar colecionou todos os suplementos de comics que saíram em jornais de São Paulo, principalmente na Folha da Noite, Folha da Manhã e Folha de S. Paulo. Estavam todos organizados em pastas e empilhados. O Suplemento de Quadrinhos, iniciado em 1940, estava completo. Muitos livros sobre fotografia, cinema e humor estavam numa prateleira - inclusive os de Belmonte, o grande chargista paulistano e amigo do dono do local por toda a vida.

Havia centenas de exemplares de O Cruzeiro, Manchete, Eu sei Tudo, Fon Fon!, A Cigarra, Jornal das Moças, Revista da Semana, Revista do Globo. Somam-se a isso: Gibi semanal (dezenas de números, inclusive o 1), Guri, Gibi Mensal, coleção completa da Edição Maravilhosa, desde a primeira série, em formato reduzido; centenas de exemplares de O Pato Donald, Mickey e os primeiros Almanaques do Tio Patinhas, antes de virar revista mensal. Bote na conta mais centenas de gibis de terror da La Selva e da Outubro, as coleções Grandes Figuras e Epopeia, da Ebal; Fantasma, Flecha Vermelha, Mandrake e muitos outros da RGE.

Foi só isso que consegui discernir nesse primeiro dia. E veio na minha mente um só pensamento: seriam necessários milhares e milhares de reais para comprar aquilo tudo. Se ele pedisse R$ 100 por cada O Malho e O Tico-Tico, daria R$ 100 mil. Se pedisse R$ 300 por cada Shimmy, o lote totalizaria mais de R$ 15 mil. Pobre de mim. E não havia porque não pensar assim. Afinal, ele conhecia o Mercado Livre, paraíso dos especuladores que hiperinflacionaram os gibis.

Até que vi uma pasta grossa, preta, com a ponta de um jornal de quadrinhos. Seria o Suplemento Juvenil ou O Globo Juvenil, lendários tablóides que trouxeram a indústria dos quadrinhos para o Brasil na década de 1930? Nada disso. Pelo menos por enquanto, nada havia dos dois títulos. Tinha ali, simplesmente, o Santo Graal dos quadrinhos no Brasil: quatro dezenas de números de revistas e suplementos de HQ que eu nunca tinha ouvido falar, que circularam entre as décadas de 1910 e 1920. Não encontrara registros daquilo em nenhuma biblioteca pública, nem na Nacional do Rio de Janeiro. E olha que isso é uma obsessão minha.

Um exemplo? A revista Carlitos. Outro? O suplemento infantil da revista Fonfon, de 1913. Ou Mundo Infantil, conhecido, publicado pela Vecchi a partir de 1929. Eu não conseguia acreditar naquilo. Mas, como era possível aquilo tudo ter sobrevivo ao tempo, às fogueiras que queimavam gibis, ao assédio dos colecionadores? Pensei rápido: custe o que custar, eu preciso comprar tudo que está nesta pasta. Assim, poderia completar a história que comecei a contar com A Guerra dos Gibis 1. Tentando não mostrar interesse, perguntei quanto custava aquele lote.

O senhor de 75 anos se limitou a dizer: "Mas, meu filho, isso aí é muito velho, está caindo aos pedaços". Não, não estava. Bom, estava mas me interessava muito. Mais do que qualquer coisa. "Mesmo assim, gostaria de levar. O senhor me vende? " E ele: "Não, não vendo. Pode levar de presente para você". Eu ainda não fazia ideia de que estava diante de uma das pessoas mais generosas que cruzei em minhas quatro décadas no planeta terra. E as Shimmy, por quanto vende cada uma? Resposta: "Ora, isso te interessa mesmo? Pode levar de presente".

E ele desviou a conversa de volta a Carioca. Queria saber se levaria mais exemplares. Disse que sim e ele falou que faria todo o lote restante por um bom preço - menos de R$ 1 cada. Aquilo não podia estar acontecendo. Encorajado, perguntei pelo preço de cada O Malho, O Tico-Tico e Edição Maravilhosa. Mesma coisa, R$ 1 real cada. E os almanaques natalinos de O Tico-Tico e Juquinha (estes, de 1916 a 1935)? R$ 1 cada. No resumo da ópera: sai de lá com doze caixas de revistas.

Atribuo tudo isso à imediata empatia que tive com aquele inesquecível casal, cuja generosidade só agora começo a dimensionar. Os dois, então, levaram-me para casa. Nos despedimos depois de descarregar tudo aquilo na portaria do meu prédio. Eu disse para a senhora: "O seu pai deve estar feliz lá em cima porque eu jamais venderei as revistas que ele passou quase um século colecionando. Eu vou escrever livros com elas e depois acabarão em algum museu". Emocionados, nos despedimos com a promessa de um novo encontro no sábado seguinte. Afinal, eu tinha estado em apenas um dos quartos da casa.



No sabado seguinte, cheguei às 9h da manhã, como tinha combinado com o simpático casal. Seu João e dona Lourdes chegaram um pouco depois, com o carro cheio de caixas de papelão vazias. Agora teríamos mais tempo para conversar e pedi detalhes sobre a venda daquele acervo que tinham herdado.

Pergunto se tinham procurado donos de sebos para comprar o material. Sim, mas somente um aparecera para avaliar. O comprador ofereceu R$ 2 mil pelo que eu descobriria depois ser algo superior a 50 mil revistas e perto de dois mil livros, mais montanhas de suplementos de jornais. O que mais causou indignação a seu João, no entanto, foi o fato do interessado querer levar também a infinidade de quadros que o sogro havia pintado - a maioria de nus femininos.

Ele praticamente enxotou o sujeito dali. No dia seguinte, essa pessoa ligou de volta, tentando fechar o negócio por um valor um pouco maior. Era tarde demais. Seu João não fazia negócio com ele por valor nenhum. Mas, e o Mercado Livre, não valia a pena tentar por ali? "Aquilo não dá, demora muito, é tudo picado e precisamos esvaziar logo a casa para vendê-la e fazer a partilha" - disse-me mais ou menos assim. E assim adentramos o sobrado.

Percebi, então, que eu tinha pulado um quarto e ido para o segundo - onde estava o lote de Carioca que comprei. Seguimos a ordem dos cômodos e vi várias caixas lacradas com a descrição do conteúdo de cada uma anotado na parte de cima. Duas me chamaram a atenção. Lia-se: "Revistas de nus". Meio sem jeito, falei que aquelas revistas me interessavam muito porque estava prestes a lançar um livro sobre o tema - Maria Erótica e o clamor do sexo, que realmente sairia cinco meses depois. A filha do morador falecido disse, em seguida, meio sem jeito, que o pai gostava muito desse tipo de revista e que havia um quarto nos fundos entulhado delas. Viva!! Comemorei em pensamento!

Posso ver? "Claro". Abri a primeira caixa e vi vários pacotes amarrados com barbantes e protegidos dos dois lados por folhas grossas de cartolina. Havia um código comum em todas: "Revistas Brejeiras". Sim, Brejeiras significava nus, sexo, mulher pelada! O que encontrei nessas duas primeiras escavações não me lembro. Sei que eram coisas maravilhosas: nada mais nada menos que um apanhado geral das revistas eróticas no Brasil desde 1902.

Tinha ali muita coisa pré-histórica, como A Maçã e Selecta. Depois, dos anos 30 e 40, Copabana, Conselhos sexuais, Ciência e sexualidade, etc. Dos anos 50, títulos com vedetes seminuas e as chamadas "revistas de salão de barbeiro" - dezenas de títulos muito populares na época, com piadas libertinas e pinups ou fotos de garotas seminuas. Como Sorriso, Seleções de Rir Ilustrada, Bom Humor. E, ainda, as publicações dos clubes de naturismo, outra mania da época.

Abertas as caixas, disse que queria comprá-las. E partimos para o fundo da casa, onde supostamente havia muita revista de mulher pelada. E era mesmo só o que tinha. Coleções completas de Ele & Ela, Fairplay, Revista do Homem (depois, Playboy), Status, Fiesta, Fiesta italaina, Playboy americana, Lui etc. Todas impecavelmente novas.

Na prateleira do meio, mais montinhos maravilhosos de revistas brejeiras. De quebra, algo que não tem preço: perto de 50 catecismos originais de Carlos Zéfiro da década de 1950, que vejo na estante aqui, enquanto escrevo. Encontrei ainda diversos volumes encadernados de Mini-Fiesta, a revista de bolso que tanto frequentei na adolescência com começo da década de 1980. Folheei ali mesmo e me lembrei daquelas garotas outrora tão amadas e desejadas por mim. Já ia me esquecendo: deparei-me com várias revistas em quadrinhos eróticas da Edrel e da Grafipar também.

Dessa vez, voltei para a casa com nove caixas. Todas, absolutamente todas, só com revistas de sexo. O resto ficaria para a semana seguinte. Bom, não era o resto, mas quase tudo ainda, pois a exploração antropológica havia apenas começado.



O telefone tocou numa noite de quinta-feira de fevereiro e era Seu João. Queria avisar que eu precisava ir à casa da Vila Mariana no fim de semana seguinte sem falta, para ver o que mais me interessa do acervo que estava vendendo. Uma pessoa de Belo Horizonte, explicou ele, viria olhar tudo na outra semana e pretendia levar o que tivesse sobrado.

Seu interesse, explicou-me, era pelas revistas de cinema e ele me pediu para que não levasse nenhuma desse gênero, pois prometera a essa pessoa reservar tudo. Sou louco por cinema, fiquei maravilhado com edições raras de Cinearte, Cinefã e muitas outras que encontrei lá. Não toquei em nada e segui minha experiência arqueológica naquele sobrado em busca de outros tesouros.

Bom, até aqui já tinha visitado três quartos da casa. Voltamos ao primeiro quarto e observei o que tinha no guarda-roupa: preciosas máquinas fotográficas e uma quantidade imensa de filmes em super 8 - que nem procurei saber do que se tratava porque seria impossível levar aquilo para casa. Esse acervo seria comprado por uma pessoa de Belo Horizonte. No chão, estavam oito projetores bem antigos de filmes em 8mm e 16 mm. E material químico de revelação. Um dos passatempos do antigo morador era a fotografia - herança do pai, famoso fotógrafo paranaense.

O próximo passo seria um longo corredor, com pilhas e pilhas de livros e revistas (muitas O Cruzeiro), caixas lacradas, pastas de arquivos em grande quantidade. Dei uma geral e peguei muitos gibis com quadrinhos eróticos e revistas de nus pintados pelo dono da casa. Talentoso, traço personalíssimo e estiloso. Isso explica a quantidade de revistas eróticas em todos os cantos. Mais catecismos de Zéfiro e encadernados de títulos de sexo das décadas de 1970 e 1980.

Passei para as pastas. Estavam organizadas com etiquetas nas laterais. Eram mais de 50 daquelas de arquivos de escritório na cor cinza. Primeiro, encontrei a coleção completa com mais de mil números do suplemento FOLHETIM, da Folha de S. Paulo. Além de dossiês maravilhosos sobre personagens e temas ligados à cultura, inclusive quadrinhos, chamavam a minha atenção nesse tablóide as capas de nossos grandes cartunistas: Petchó, Angeli, Laerte, Fortuna e Alci. Vi aquilo e pensei num livro em cores com todas aquelas imagens incríveis.

As surpresas não pararam: algumas pastas traziam o suplemento infantil da Folha de toda a década de 1960, quando Maurício de Sousa era a grande estrela da publicação - que não levei e me arrependi depois. Noutra, mais exemplares do suplemento de quadrinhos da Folha da Noite dos anos 40 - eu havia levado o primeiro lote, a partir do número 1.

Alimentei, então, a esperança de encontrar algo muito valioso: exemplares de O Globo Juvenil, Suplemento Juvenil e A Gazeta Juvenil. Algo me dizia que essas pérolas esperavam por mim ali. Cacei como um cão perdigueiro. Vasculhei tudo com calma e meu faro estava certo: havia sim muitos O Globo Juvenil - a partir do número 3. Somando tudo, peguei duas centenas dessas três publicações capitais para a história dos quadrinhos no Brasil.

Nas outras pastas, muitas fotos originais de mulheres nuas das primeiras décadas do século. Provavelmente prostitutas paranaenses ou paulistanas. Quem as tirou? Quando? Nada foi escrito para identificá-las. Num canto, pastas gigantes de material fotográfico abrigavam dezenas de folhinhas de pinups e garotas seminuas dos anos 40 a 80. Nenhuma dobrada, todas em perfeito estado de conversação, cuidadosamente organizadas.

Tudo isso rendeu nada menos que 13 caixas, que teria de amontoar num taxi (pedi a um desses serviços que atende por telefone para mandar um carro grande). Não deu e deixei parte das caixas separada e lacrada para pegar na semana seguinte. Enquanto isso, pensava cada vez mais seriamente em levar a coleção completa de Vamos Ler!, com 800 exemplares. Afinal, ali tinha muita coisa de J. Carlos, Raul Perdeneiras e Belmonte, entre outros grandes artistas do humor gráfico. Seu João disse que faria um preço camarada. Não pensei muito e pedi para separasse para mim e avisasse o comprador de Belo Horizonte que já estava vendido.

Você, que aqui me lê, por acaso acha que a minha aventura naquela casa acabou aí? Que nada. Estava apenas começando. Sempre me intrigou a informação repetida diversas vezes de que no porão da casa - com altura de pouco mais de um metro - poderia ter coisas guardadas. A intriga virou curiosidade: e se abrigasse nas suas entranhas um acervo tão fantástico quanto o que estava na parte de cima? Antes de mais nada, eu precisava de coragem para entrar naquele lugar, provavelmente habitado por ratos, baratas e escorpiões. Decidi que faria isso na semana seguinte.



O comprador de Belo Horizonte veio e levou muitas caixas de livros e revistas e outros objetos que não sei precisar. Mas não arrematou tudo. E voltaria outras vezes para novas aquisições. Mas, como disse lá atrás, a quantidade de revistas e livros naquela casa era algo muito além da imaginação de qualquer mortal. E impossível de ser realmente avaliado em pouco tempo.

Antes de dar prosseguimento à minha aventura e à minha entrada no porão daquela casa, vou aqui revelar a quem pertenceu aquilo tudo. Usarei a seguir as informações que seu genro colocou na Wikipédia - na verdade, fiz um copy do texto que ele me mandou, formatei e eu mesmo postei na enciclopédia virtual. Em seguida, acrescento algumas observações:

Aquela casa era do senhor Loris Foggiatto (1913-2009), artista plástico, fotógrafo e professor de desenho paranaense radicado em São Paulo desde a década de 1930 e conhecido pelas gravuras e quadros com nus femininos. O pai dele, Domingos Foggiatto, foi fotógrafo da imprensa oficial do Estado do Paraná e considerado muito adiantado para a época, pioneiro nas artes plásticas e na fotografia, além de proprietário de dois cinemas, teatros e circos.

Loris chegou na capital paulista em 1934, e logo foi trabalhar como gráfico do jornal Folha da Noite (atual Folha de S. Paulo), onde trabalhou até 1969, quando ele se aposentou. Ainda jovem, a veia artística herdada do pai apareceu e ele começou a fotografar o cotidiano de São Paulo - deixou em sua casa mais de 10 mil imagens entre ampliações e negativos.

Em meados da década de 1940, Loris foi aprender desenho na Associação Paulista de Belas Artes. Destacou-se como aluno dos artistas Inocêncio Borghese e Aurélia Cavalcante. Mais tarde, aperfeiçoou-se com os artistas Durval Pereira, Colette Pujol e Waldemar da Costa. Pela aptidão que tinha especialmente em desenho, logo passou de aluno para professor. Deu aulas de desenho e pintura por mais de 40 anos na APBA. Muitos pintores renomados tiveram aulas com o Professor Foggiatto.

Aliás, ele participou da diretoria da APBA por duas décadas. Deu aulas de nu artístico com modelos ao vivo, por varias décadas, quando o nu se tornou uma especialidade sua. Foi um grande apreciador da beleza feminina, produzindo uma enorme quantidade de desenhos e quadros que têm um traço especial evidenciando a sensualidade feminina, não explorando o erotismo.



Dentre os seus trabalhos premiados, podemos destacar o Salão Paulista de Belas Artes, onde teve cinco trabalhos premiados; Salão da Associação Paulista de Belas Artes (cinco prêmios) e teve mais 21 quadros premiados em diversos Salões de artes plásticas. Realizou também exposições individuais como na Galeria Itaú (1979), Hotel Hilton (1987 e 1990), Centro Cultural (1988) e Centro Cultural de Bertioga (1999 e 2000). Participou ainda de júri de 15 Salões de Belas Artes.

Seu Lóris, como era conhecido, morreu serenamente na casa da filha, numa cidade da região metropolitana de São Paulo, pouco antes do almoço familiar de um domingo, dia 22 de março de 2009. Conversou normalmente com todos e faleceu cercado pelas pessoas que mais gostava. Muitos lembravam dele como uma pessoa de temperamento forte, mas encantador como prosador. Adora cortejar as mulheres, que amava indistintamente e imortalizava em quadros. Tinha memória prodigiosa e histórias maravilhosas para contar. Cuidava de sua fantástica biblioteca com muito zelo. Reclamava se alguma faxineira tirasse qualquer coisa do lugar.

Ficara viúvo na década de 1980 e desde então vivia sozinho. Eu jamais soube da sua existência e tenho certeza de que se o tivesse conhecido, seríamos grandes amigos, a contar e a relembrar de histórias que ele viveu nos primórdios do século 20. Teríamos falado dos gibis pré-históricos, de sua amizade com o cartunista Belmonte, de sua paixão por pinups e mulher pelada, que também compactuo.

Ele, enfim, teria confiado aquilo tudo para que pudesse fazer novas pesquisas e escrever livros. Se nada acontece por acaso, talvez isso explique que o destino desse um empurrão e promovesse esse tardio encontro. Ele lá e eu cá, a zelar de suas queridas revistas para que isso se perpetue por muito tempo, pois nada, absolutamente nada, será vendido ou trocado.



Desde o primeiro dia em que estive no sobrado da Vila Mariana - ah, esqueci de dizer que fica na rua Umberto I, quase em frente ao começo da rua Pelotas -, eu ouvia a filha de seu Loris falar de um tal porão que havia ali, onde ela e, depois, seus filhos, brincaram por toda a infância. Havia da parte dela e do marido a suspeita de que no poderia ter mais revistas, uma vez que até aquele momento muitas coisas que eles lembravam não tinham sido ainda encontradas, como os 21 primeiros números de O Pato Donald.

As semanas passaram e estávamos em abril. Outros compradores apareceram por lá, mas ninguém se interessara em saber onde ia dar aquela pequena entrada de 1 metro por 60 centímetros, aproximadamente. Um dia, quando as chances de encontrar mais revistas preciosas pela casa começava a rarear, desci as escadas até o quintal, acompanhado da filha de seu Loris. Tentei olhar pelo cercado e vi apenas uma montanha de coisas velhas: frascos de remédios antigos, abajures, vasos, martelos, lâmpadas, reveladores de filmes, móveis quebrados etc.

Um metro adiante começava o breu. Consegui abrir a grade e visualizei uma pilha de revistas. Estiquei o braço e puxei com muita dificuldade. Tirei dois montinhos razoáveis. Eram os 100 primeiros números novinhos da revista Veja, sem qualquer indício de traça ou umidade.

Rapidamente comecei a tirar as tralhas e cheguei à Ilha do tesouro. Nos três metros adentro, havia montanhas de revistas. Preciosidades tão valiosas quanto as que havia tirado de lá de cima. O lugar era de difícil acesso porque tinha pouco mais de um metro de altura por um de largura - nessa parte havia um corredor, estreitado por largas prateleiras. Não pensei duas vezes e liguei para um amigo colecionador, cujo nome vou preservar aqui. Eu já havia comentado com ele sobre minhas aquisições e falei rapidamente: "Largue tudo que está fazendo, pegue um taxi e venha imediatamente para o seguinte endereço. Ah, e traga uma lanterna".

Não me perguntou nada. Imaginou do que se tratava e apenas disse: "Estou correndo praí". Em meia hora ele estava lá. Por que o chamei? Primeiro, pela amizade e pela gratidão. Depois, pelo tamanho físico. Eu tenho mais de 1,85m de altura e ele é baixinho. Tinha uma estatura possível para adentrar o porão até o fundo. E ele começou a me entregar pilhas e pilhas de revistas, depois de, pacientemente, tirar toneladas de tralhas do nosso caminho. Fizemos um pacto: cada coleção de quadrinhos dali retirada disputaríamos no par ou impar para ver quem escolheria primeiro. Ganhei a primeira e escolhi um montinho de Gibi Trissemanal, que incluia o volume 1, aquele com Charlie Chan na capa.

Foi quando tive um grande susto. Enquanto eu folheava aquelas maravilhas, o tempo passou e chamei por meu amigo. Ele não respondeu. Gritei várias vezes e nada. Entrei em pânico, imaginei que ele tinha desmaiado ou morrido devido a algum bicho que o picou ou por falta de ar. Os donos da casa vieram ver o que estava acontecendo e nos preparamos para chamar os bombeiros. Até que vi a luz da lanterna se mover lá dentro. E o sujeito apareceu em seguida, completamente imundo, para dizer que havia muitos outros quartos no porão com muitas revistas. Tinha também perto de 30 montes de jornais, sobre os quais falarei no próximo post.

A cada nova descoberta de gibis raros, ele gritava de lá, como se fosse uma senha. E começaram a sair montanhas de Pato Donald, Mickey, Tio Patinhas, Mônica e Cebolinha (Abril) desde o número 1, Pernalonga, Almanaque Disney, Diversões Juvenis. Enfim, boa parte do que a Abril publicou de 1950 a 1979.

Por cinco finais de semanas seguidos, tiramos coisas do porão. Isto é, revistas. Alguns exemplos: o resto da coleção de Carioca, Fon Fon!, Careta, Jornal das Moças, A Cigarra, Panorama e outras que eu tinha comprado e cujas numerações estavam incompletas. Tiramos de lá mais uma série do 1 ao 100 de Manchete, centenas de O Cruzeiro, inclusive os primeiros números, outra coleção de Quatro Rodas.

Num outro dia, colhemos centenas de exemplares da famigerada Seleções do Digest, bíblia do anticomunismo cristão ocidental. Num dos quartos dos fundos, esse amigo achou os 90 primeiros números do Pato Donald e os 50 primeiros de Mickey, mais Seleções Coloridas do 1 ao 17, considerada a primeira publicação da Ebal, de Adolfo Aizen. Não seria justo com ele, que tanto se sujou e ralou naquele lugar, dividir essas preciosidades no par ou impar e o deixei ficar com tudo.

Afinal, eu tinha encontrado maravilhas no porão, que também passei a explorar. Como um jornal de quadrinhos francês, que circulou a partir de 1902 - e cujo título vou ficar devendo porque seus volumes estão perdidos entre as caixas que ainda permanecem lacradas. E o alemão Allers Familj-Journal, cujos exemplares datam a partir de 1908. Todos em ótimo estado de conservação e que deixariam extasiados colecionadores e pesquisadores franceses e alemães. Outra descoberta: o Jornal do Lar, em formato standart (grande), dirigido a mulheres e publicado em 1932, mas que, na verdade, é um elo perdido da chegada dos comics no Brasil. Era impresso em cores.

Uma publicação que encontrei em grande quantidade em todos os cantos da casa, principalmente no porão e que eu tinha me esquecido de citar (como dezenas de outras), foi o semanário humorístico paulistano O Governador, que teve mais de mil números. A publicação circulou entre as décadas de 1930 e 1940.

Continuei a levar caixas e caixas para casa por meses. Mas havia no porão algo de muito valioso que, à primeira vista, não interessou a ninguém. Por causa disso, eu passaria meus próximos finais de semanas ao longo de quatro meses enfiado no porão daquela casa mágica.



De janeiro a agosto de 2010, poucos foram os finais de semana em que não passei pelo menos o sábado na casa de seu Loris Foggiatto, na Vila Mariana, São Paulo. Eu brincava com o amigo com quem dividia as buscas no porão que aquele sobrado era mesmo sobrenatural, como desconfiava uma parente do antigo dono. Afinal, saíamos para ir embora e, na volta seguinte, aparecia uma coleção de gibis ou uma edição rara num lugar onde nós havíamos vasculhado minunciosamente.

Perguntava a seu João se alguém havia estado ali durante a semana e ele garantia que não. Não tinha motivos para não acreditar nele, claro. Lembro do número 1 da revista MAD, da Vecchi, de 1975, que apareceu do nada onde sempre passávamos. Ou das novas pilhas de almanaque de farmácia que surgiam de vez em quando. Mas aconteciam surpresinhas normais como me deparar com algum exemplar do Globo Juvenil ou do Suplemento Juvenil no meio de cadernos de turismo, por exemplo.

Desde o primeiro dia, a filha de seu Loris falava que o pai havia sido muito amigo do cartunista paulistano Benedito Carneiro Bastos Barreto, o Belmonte (1896-1947), um dos mais importantes artistas gráficos do país na primeira metade do século 20, criador do personagem Juca Pato.

Se Belmonte morreu em 1947 e Loris trabalhou na gráfica da Folha nos 13 anos anteriores, devem mesmo ter convivido todo esse tempo nos corredores jornal. É preciso lembrar que Loris era um excelente desenhista e promissor pintor. Os dois, portanto, tinham interesses em comum. (Ironicamente, Belmonte morreria numa clínica que ficava exatamente na rua onde seu Loris passou toda a vida, a Umberto I). Sua filha afirmava com convicção que havia na casa todos os livros de Belmonte, mais uma pasta com coisas pessoais do artista - não faço ideia do que se trata porque a mesma foi adquirida pelo comprador de Belo Horizonte.

Só para situar, Belmonte reinou absoluto em seu tempo na imprensa paulistana, enquanto no Rio brilhavam nomes como J. Carlos e Raul Pederneiras - de quem ele era muito amigo. Publicou mais de uma dezena de livros - boa parte com seus cartuns relacionados à Segunda Guerra Mundial. Escreveu também volumes de crônicas e contos humorísticos (como o clássico "Idéias de João Ninguém", de 1935) e estudos históricos principalmente sobre São Paulo ("No tempo dos bandeirantes"; "Brasil de outrora" e "Costumes da América Latina"). Também ilustrou as obras infantis de Monteiro Lobato - foi o primeiro de muitos artistas a dar forma aos personagens do Sitio do Pica-pau Amarelo.

O artista passaria boa parte da vida no grupo Folhas - hoje responsável pelos jornais Folha de S. Paulo e Agora. Foi ali que, em 1929, Belmonte transformou em sucesso seu mais famoso personagem, Juca Pato, nas páginas da Folha da Noite. Durante a Segunda Guerra Mundial, ele ganhou fama mundial ao usar o humor para combater os países do Eixo - Alemanha, Itália e Japão - e por tirar sarro das incoerências das três maiores potências do mundo - as capitalistas Estados Unidos, Inglaterra e a comunista União Soviética.

Nas minhas buscas pela casa de seu Loris, nada encontrei dele. Até que seu genro, gentilmente, lembrou-se que havia levado para casa um exdemplar de "A Guerra de Juca", com a reunião de caricaturas publicadas até 1940. Deu-me de presente, claro. Talvez tenha olhado no Mercado Livre o valor médio do mesmo, R$ 400, mas nada cobrou, em mais um de muitos gestos de gentileza desse ser humano único.

Minhas esperanças quanto a Belmonte renasceram no porão da casa. Seu Loris havia trabalhado na Folha de 1934 a 1969 e, de acordo com a sua filha, todas aquelas montanhas de jornais que ele ali havia depositado cobriam exatamente esse período. "Papai sempre chegava com uma pilha de jornais nas mãos e, como tinha mania de guardar tudo, colocava no porão depois que a gente lia". Sim, eu percebi que eram exemplares dos três jornais que o grupo Folhas publicou no período: Folha da Noite, Folha da Tarde e Folha da Manhã. O primeiro, mais popular. O segundo, elitista, existia para concorrer com O Estado de S. Paulo e A Gazeta.

Pedi ao genro de seu Loris para me deixar retirar daqueles jornais - boa parte devorada por cupins e traças - as páginas que tinham caricaturas e ilustrações de Belmonte. O ex-gráfico da Folha me deu uma ajuda sem querer. Ele havia separado perto de dez pilhas somente com os cadernos de domingo da Folha da Malhã, o "Suplemento", que tinha jeito de revista e que sempre trazia na capa exclusivamente um desenho de página inteira - tamanho standart, o maior de todos - feito por Belmonte. Um mais belo que outro, meticulosamente construídos a bico de pena.

Não mais que três tinham sido comprometidos pelas traças. No total, tirei de lá perto de 150 capas cinematográficas, o mais fantástico tesouro da história desse incansável cartunista. Só isso daria um livrão de capa dura de babar. Um detalhe: no meio há edições especiais com todas as páginas ilustradas por ele, o que totalizariam um volume de 500 páginas, no mínimo.

Eu olhei tanto aqueles jornais por tantos dias que me familiarizei com o esquema que deixava Belmonte como a estrela dos dois principais jornais do grupo. De segunda a sábado, ele publicava um cartum por dia na Folha da Noite. Na capa ou na página 4. Durante a guerra, por causa da repercussão de seus desenhos contra Hitler, ele ocupou metade de toda a capa em centenas de edições. No domingo, a Folha da Manhã reproduzia todos os cartuns da semana que saíram na Folha da Noite e usava seu traço na capa do Suplemento.

Dos cartuns diários, juntei perto de dois mil, creio. Desses, perto de 400 tinham Hitler como personagem - quase sempre a figura central. Eu, aliás, já escaneei todos e estou à procura de um editor para publicar um belo volume, sob o título CONCERTO EM DÓ MAIOR. Até descobri que uma querida amiga tem o telefone da filha dele, para que possa lhe pedir para autorizar a publicação. Outros temas recorrentes nesses cartuns eram a política nacional e os problemas urbanos de São Paulo.

Não sei o que fazer com o inacreditável acervo de Belmonte que reuni. Meus planos seriam, além do livro com Hitler como tema, um álbum de luxo com as capas do Suplemento da Folha da Manhã. Talvez arrisque uma biografia, mas só depois que Andrea Nogueira publicar a dela - aliás, ofereci-me para ajudá-la a encontrar um editor, o que faço no momento. Andrea é a maior autoridade em Belmonte no Brasil.



Tudo que relatei aqui sobre os mais de dez mil revistas e livros - além de incontáveis pastas de arquivos de folhinhas antigas (com pinups), recortes de jornais e revistas etc - que adquiri do genro e da filha de seu Loris Foggiatto me deixa meio frustrado porque, ao reler os posts anteriores, continuo com a sensação de que não consegui dimensionar essa experiência única que, creio, jamais se repetirá comigo e dificilmente com qualquer outro mortal.

Eu recordei tudo diretamente no espaço de redação do blog a partir de minhas memórias e, por falta de tempo, não consegui olhar o acervo ou abrir as muitas caixas e pacotes que ainda estão lacrados. Eu citei muito pouco do que levei para casa. As revistas em quadrinhos e de humor raras, as coleções completas de títulos de outras áreas, os cartões postais, as fotos (centenas ou milhares) originais de prostitutas nuas, as milhares de revistas eróticas que traçam um apanhado fantástico desse segmento - que seu Loris chamava de revistas brejeiras -, cada um renderia ao menos um post inteiro aqui.

E por que dar publicidade a isso na Internet? Exibicionismo meu? Quem me conhece sabe que não. O meu maior sonho é que tudo isso vá parar num museu ou arquivo público, numa instituição seriamente constituída, aberta ao público, onde pesquisadores possam estudar esse inacreditável material, com o devido cuidado e segurança que algo assim demanda. Seria um espaço com funcionários bem orientados que atenderiam esses visitantes.

Tudo isso ficaria à disposição para consulta por pouco tempo, por causa de sua fragilidade causada com o desgaste do tempo, pois meu projeto prevê que tudo seja digitalizado e acessado de qualquer lugar do planeta pela Internet, guardados os devidos cuidados sobre direitos autorais, se for o caso.

O maior obstáculo que imagino seria um órgão público topar manter no acervo as publicações de sexo, uma vez que o preconceito sobre o tema ainda é imenso, num grau de estupidez bem acima do que se imagina. Quando escrevi o livro Maria Erótica e o Clamor do Sexo, fiquei impressionado sobre o quanto é possível contar por meio dessas revistas e livros a história da sexualidade brasileira, dos costumes, dos hábitos e das tradições, da emancipação das mulheres, da repressão nos nossos regimes autoritários, da censura, do desejo de liberdade, da luta contra o machismo, da repressão ao sexo feminino em todos os tempos e épocas.

Assumo aqui a palavra de absolutamente nada cobrar sobre tudo isso que consegui juntar se aparecer alguma instituição com esses requisitos. Sim, desde que tenha a segurança de que tudo isso será realmente preservado ao longo de décadas e não simplesmente abortado por algum governante idiota, desses que destroem o que o anterior fez.

Que se mantenha esse material para que futuras gerações possam conhecer e estudar esse tempo - o século 20, principalmente - em que todas as emoções, sensações, desejos e fantasias de gerações de brasileiros passavam por uma folha impressa. Por muitas delas. Um tempo em que o olhar fascinado pela imagem, desenho ou foto, combinava com o toque tátil sobre o papel e o cheirinho de tinta da revista que acabou de sair da gráfica.

Sinto a presença de seu Loris no acervo que pretensamente assumi a missão de preservar. Vejo-me na obrigação de guardar um tesouro que ele por tanto tempo se empenhou em zelar - talvez para algum propósito que jamais saberei ou pelo simples prazer de colecionar. Seu Loris, na verdade, não era um colecionador, não saía por aí atrás de títulos para completar suas coleções. Ele apenas guardava as revistas que comprava e lia, com o cuidado de preservá-las das ações do tempo, dos insetos e roedores.

Na solidão da velhice, ao contempar tudo aquilo, é possível que ele se sentisse na companhia de velhos fantasmas de sua infância e juventude. Ou que passasse o tempo a folhear aquelas revistas como uma espécie de máquina do tempo dos melhores momentos de sua vida. De certo modo, ele estava preso àquele tempos idos, vividos, mas não esquecidos, como também fazemos ao recorrer a velhos discos ou aos gibis de diferentes períodos de nossas vidas.

Ao especular sobre a ligação de seu Loris com aquele tão fascinante mundo que criou ao seu redor, fico a imaginar que tipo de contato tomamos com objetos assim que, acredito, vão muito além do mero preservar para decorar uma casa ou por puro exibicionismo intelectual. Toda vez que leio um livro, por exemplo, passo a estabelecer com aquele exemplar e seu autor uma cumplicidade até mesmo familiar, diria assim, uma proximidade que jamais se concretizará, claro.

Daí sempre acharmos que somos íntimos de nossos autores preferidos quand os encontramos. Toda vez que leio um livro, bom ou ruim, nunca deixo de terminá-lo. E procuro guardá-lo na estante como algo com o qual criei uma relação que não acabará jamais porque alguns fragmentos ou a soma de muitos permanecerão em minha memória para sempre.

Assim sou eu e os livros, as revistas, os recortes, os arquivos, as pastas e as memórias dos outros, que capto por meio de um gravador ou pela ponta da caneta sobre o papel. Sou tentado a imaginar que o talentoso Loris - jamais reconhecido à altura que merecia como artista plástico - tinha um casamento eterno parecido dentro daquela caixa de lembranças e saudades onde viveu a maior parte dos 96 anos de existência. Não o admiro só por isso.

Marcadores: , ,

Coletivo Samba-Jazz



Marcos Paiva, que prepara para breve excelente álbum com temas inspirados no clássico de jazz brasileiro Edison Machado é Samba Novo, participa hoje do Coletivo SambaJazz, ao lado de Daniel D'Alcântara (filho de Maguinho), João Paulo Barbosa, Edinho Sant'Anna e Alex Buck. Samba-jazz 2010 no Beco Jazz nos Fundos, dez da noite, atrás do Biu.

Marcadores: , , , , ,

BLACK RIO, 1976





Três amigos, três discos de soul: está formado o núcleo do Black Power. Um veículo para a comunicação entre negros, não um movimento de negros. Logo acima a clássica matéria de Lena Frias no Jornal do Brasil (RIP), em 17 de julho de 1976, que oficializou e colocou na pauta o movimento Black Rio. No mesmo ano saíam o primeiro disco da equipe de som Soul Grand Prix e o álbum Maravilhas Contemporâneas de Luiz Melodia. No ano seguinte, os primeiros álbuns da Banda Black Rio e Gerson King Combo. O resto é história. Só não achei a última página da matéria, alguém tem aí?

Marcadores: , ,

Dancing in your head



Se você não estava no teatro do Sesc Pinheiros domingo passado, sete da noite, perdeu um momento sublime de acaso, naturalidade e interação: enquanto o quarteto de Ornette Coleman tocava, as luzes e microfones se apagam no exato momento em que a bateria soa o último beat de "Lonely woman". Blecaute e hesitação por alguns segundos, até a banda tomar a única atitude sensata - continuar tocando, desplugada, no escuro. Vem "Dancing in your head" e eletricidade musical de arrepiar. Emocionante. Matias registrou o incrível momento, play acima.

Marcadores: , ,


Busca


[All your base are belong to us]

Evangelista Jornalista
Investigações Artísticas

*Anos Vinte







@evansoundsystem



Feed!



© 2001-2010 Ronaldo Evangelista