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Novos, Baianos e Hippies

Hoje, na Folha, texto meu sobre o sensacional documentário dos Novos Baianos, que passa logo mais no In-Edit, no MIS.



Os pássaros cantam e o sol nasce em Jacarepaguá em um dia de 1973. Na primeira casa, acordam o casal Paulinho Boca de Cantor e Marilinha e os filhos Maria e Gil. Quase em frente, Moraes Moreira e Marília, com os filhos Ciça e Davi. Lá no fundo, em uma casa Luiz Galvão, na outra Baby do Brasil, então Consuelo. Ainda em outra os percussionistas Bola, Jorginho e Charles e os outros solteiros acampados no primeiro andar. Todos fazem seu café, as crianças tomam banho no quintal, uma massagem aqui, uma panela no fogo ali. Alguns batucam um tamborim, um cavaquinho ou violão. E a qualquer hora, o dia inteiro, futebol. Se não tocavam, jogavam bola.

Era o sítio Cantinho do Vovô, no povoado Boca do Mato, Estrada dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Onde se instalaram os Novos Baianos mais esposas, filhos, amigos e tantos agregados, na época do sucesso do disco Acabou Chorare e enquanto preparavam o disco seguinte, Novos Baianos F.C.

Exatamente neste momento entra em cena, câmeras, sonoplastas e equipe a postos, Solano Ribeiro, produzindo e dirigindo documentários para a televisão alemã. Alguns anos antes, Solano havia sido o homem por trás dos famosos Festivais de Música Brasileira, agora produzia como freelance projetos como esse. Dez dias acompanhando a vida dos Novos Baianos em sua comunidade hippie e o resultado é o revelador e quase inédito documentário Novos Baianos F.C., em exibição única hoje, dentro do festival In-Edit, no MIS, às 18h, com participação do diretor.

"Quando fiz a primeira proposta de produção eu achei que não ia ter filme", conta Solano, lembrando. "Os Novos Baianos eram inadministráveis. Mas eu falei pra eles, 'Vamos fazer uma coisa? Vocês fiquem aqui e eu venho todo dia com a equipe alemã, a gente se instala e vamos documentando a vida de vocês.' Foi a única maneira que encontrei de conseguir fazer o filme: registrar tudo naturalmente."



Inédito no Brasil há mais de 30 anos, mas cult na internet (somando mais de 500 mil views no YouTube), o documentário traz caprichada filmagem, captada em película e montada e finalizada na Alemanha, intercalando imagens plácidas e naturalistas dos novos e baianos jogando, brincando, vivendo e tocando, joviais e geniais, com locução de Solano sobre textos dele e de Galvão. "Novos Baianos é um cara que tá sempre legal, que tá nascendo a cada minuto", define a certa altura o letrista, entre cenas de convivência coletiva e transes musicais.

Tudo muito neo-socialista e libertário, mas também muito limpo, organizado, respeitoso e com alguns dos nossos músicos mais incríveis em ponto de ebulição. "Fico muito feliz de ver que é um registro do melhor momento da música dos Novos Baianos", nota o diretor. "Eu sabia que naquele momento era o que estava acontecendo de mais interessante pra mostrar pra fora do brasil. Não só pelo estilo de vida deles, mas pela música muito rica que faziam. Tinham uma ligação forte com a música brasileira antiga, mas tudo apresentado de uma maneira e com uma instrumentação nova."

Mistura que vinha da forte influência do tropicalismo de Caetano, Gil e Tom Zé, somados ao aprendizado de longos encontros que tinham com João Gilberto por aquela época. "O João Gilberto exerceu uma influência extraordinária, não só na música mas inclusive no comportamento pessoal deles", lembra Solano. "Eles passavam noites juntos e o João Gilberto dizia que eles tinham que ter cuidado com a alimentação, com a higiene, cuidar deles mesmos. Antes eles viviam na semi-marginalidade, iam pra rua parar os carros e pedir dinheiro. Mas quando fui filmar era realmente impressionante como eles eram cuidadosos com a limpeza, com as crianças."

Sem falar no campo; eles se achavam melhores jogadores de futebol do que músicos. As imagens de jogos mostram a seriedade do negócio. E a única condição imposta pela banda, também: que a filmagem acabasse antes do jogo do Vasco. "Eles me disseram, 'Bicho, se você não terminar aqui nós vamos largar você com as câmeras ligadas e vamos pro jogo'", ri Solano. "E a gente vê no filme, minutos antes deles saírem, eles tocando "Besta é tu". Número musical que acho dos mais extraordinários, com o Galvão dançando no fundo, que mostra a cabeça e o espírito desses caras."

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