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What Would Donato Do?



Eu não tenho religião porque simpatizo com muitas. Cada uma me ensina algo e sigo feliz somando todas. Algumas, claro, são intensas e efêmeras e deixam rastros que você carrega sem nem mais perceber. Outras são perenes e te contemporizam com quem você é. Dessas, no meu altar pessoal, figura especialmente uma peça-chave dos ensinamentos da humanidade: João Donato. Se toda religião é fábula e interpretação, fico aqui mesmo com meus ícones pessoais.

A elevação de Donato vem da simples percepção que sua música toca e enche de paz de um jeito sobrenaturalmente natural - e da consciência e aceitação da sabedoria de seus ensinamentos sobre a importância da simplicidade, que transbordam por sua música. Donato é o filho pródigo enviado de uma força maior que ele aceita completamente: a música. Ou, melhor dizendo, o silêncio, que ele trata com o maior respeito e só o interrompe se tiver a nota certa a dizer.

Donato ensina para todos com um ouvido em pé, sem distinção de qualquer gênero, subgênero, grupo, gosto, classe, estilo ou separação: vale tudo, pra tudo, pra todos. Desde que tenha aquele som bonito. E, entre os sons que enchem de paz, ele ensina com a simplicidade de quem não precisa muito pra encontrar a sabedoria no cotidiano: Todas as pessoas são a mesma coisa e todas têm o mesmo problema. Então, em se tratando de mim mesmo, eu sou igual a qualquer um. Eu gosto de qualquer um de uma maneira como gosto de mim mesmo.

*

Certo dia, pelos idos de 2003, me sentei com Donato pra uma sessão de audição de jazz pra uma matéria na Jazz+ e, entre papos aleatórios, ele me disse algo que sempre lembro na paz da madrugada:

Até hoje eu levo uma certa dificuldade em encontrar um dia que seja igual ao dia da maioria das pessoas, porque eu já gosto daquela parte em que dá três e meia da manhã, onde parece que existe um silêncio total no mundo. Ali é o momento mais calmo do mundo, três e meia da manhã. Não é nem duas nem é cinco, é uma hora que parece que tudo pára, é um silêncio quase que absoluto. Nem ônibus passa, nem carro, nem nada, nem o telefone toca, nem coisa nenhuma. Dizem que é nesse momento que você ouve a voz de Deus. Talvez seja verdade, porque me vem muita música nesse horário que eu não tô com o rádio ligado. Na hora que o silêncio é silêncio - mas um silêncio comum, natural, o mundo já está em silêncio. Então, nessa hora eu começo a ouvir um bocado de... eu começo a ouvir Música. Começo a ter uma relação mais íntima com o criador, e fico mais ou menos conversando comigo mesmo, e tendo como resposta alguém que responde as minhas perguntas. Eu mesmo respondo, eu mesmo pergunto, eu mesmo ouço a resposta. Enfim, quem tá me dando essas orientações? Não sou eu...

*

(Foto sensa do Eugênio.)

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4 Responses to “What Would Donato Do?”

  1. # Blogger Unknown

    Putz! Me emocionei com seu texto por duas razões:
    A primeira é que conheci o João Donato num show que ele deu no Sesc Pompéia hà uns anos. Ele é tão magnético que ao final do show me encontrei no camarim rindo, conversando e adorando estar viva.
    A segunda razão é o fato de eu me identificar com o seu gosto pelo silêncio. Eu acho que sei do que você está falando...  

  2. # Blogger Daniela Arrais

    essa religião acabou de ganhar mais uma fiel =~
    =*  

  3. # Blogger Érico San Juan

    putz, que beleza de texto. depois dessas palavras, fiquei ainda mais fã do joão donato.  

  4. # Blogger Ronaldo Evangelista

    Irmãos, abençoados sejam pelos sons de Donato.  

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