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Mister Shepp

Continuando a temporada de apresentações de músicos de consciência expandida - o tal chamado jazz - na cidade, Archie Shepp chega hoje e amanhã no Sesc Pompeia. Alguns dias atrás, aproveitamos para bater um papo: na Ilustrada do dia ou segue lendo o corte longo abaixo.


(foto daqui)

Ícone do experimental, Archie Shepp toca em SP

Nome fundamental do que já foi chamado de som de vanguarda, “new thing” ou free jazz, Archie Shepp é também professor, poeta, escritor. Com seu saxofone, ao lado de músicos como Cecil Taylor e Don Cherry, fez nos anos 60 música tão intensamente política quanto eloquentemente inovadora.

Gravou alguns discos ao lado de John Coltrane em seus últimos anos de vida, e continuou seu mergulho musical em álbuns cheios de experimentações de todos os aspectos - dos temas originais aos standards, do canto ao falado, da África ao blues.

Aos 76 anos, se apresenta hoje e amanhã com seu quarteto no Sesc Pompéia. Por telefone, falou sobre sua música.

A música que faz com seu quarteto hoje é muito diferente da intensidade dos anos 60?

Audiências mudam. Quando eu tocava nos anos 60 havia o movimento pelos direitos civis, a guerra do Vietnã. Os tempos eram muito diferentes, as pessoas estavam mais abertas a novas ideias, novas músicas, havia uma nova estética, uma nova ética. A música e os artistas tem que evoluir junto com o gosto de sua audiência. Sinto que criei uma nova relação com o público. O que hoje chamam de rap eu já gravava nos anos 60, na época dizíamos que era “slam poetry”. Então não é tanto questão de me atualizar para minha audiência, mas eles se atualizarem pra mim. Ainda uso poesia em minhas apresentações. Canto um pouco também.

Estava ouvindo discos como “Magic of Ju-Ju” e me perguntando sobre a influência africana da sua música, ali havia uma busca pela relação entre tradições e novos sons.

Não acho que parei de fazer isso. As relações musicais que eu criava ali ainda existem no que faço hoje. A África combinou com a Europa para criar um novo tipo de música no Novo Mundo - e isso inclui reggae, samba, bossa nova, o assim chamado jazz. Tudo isso é profundamente influenciado pela música tradicional africana e por tradições religiosas africanas. Você não precisa tocar música tipicamente africana para incorporar elementos africanos. E você pode notar isso em muito da música que foi escrita desde começo do começo do século XX. O que estou dizendo é que toda a música escrita por afroamericanos - por músicos negros - incorporou elementos tradicionais da África. Veja a percussão do samba. E mesmo no jazz, mas de maneira diferente.

É grande seu interesse por música brasileira?

Claro. Dei aulas por 30 anos e parte do meu discurso era sobre música tradicional de outras partes da América. Não vejo música americana como música que vem apenas dos Estados Unidos. Falo sobre candomblé, santeria, toda a influência da África na evolucão do que chamam de jazz.

Você diria que as raízes dessa música estão completamente na África?

Eu diria que é música sincrética. Sem dúvida a África provê a base do assim chamado jazz. Todos os importantes inovadores no formato eram negros, desde Louis Armstrong, Jelly Roll Morton, James P. Johnson, Roy Eldridge, Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Coltrane. Todos era afroamericanos. Sim, vejo essa música como afroamericana, no sentido que ela tem qualidades africanas bem definidas, como o chamado-e-resposta, a escala pentatônica, a escala do blues. Tudo isso tem muita influência de música tradicional africana. Mas, claro, essa música foi combinada com elementos europeus - o sentido de escala maior/menor, resolução, esse tipo de coisas, são elementos muito comumente europeus.

Aqueles discos da Impulse dos anos 60 transmitem uma sensação de que vocês buscavam fazer música que pertencesse a todas as épocas, lugares e aspectos harmônicos, que quebrasse barreiras.

Não, na verdade o que quis fazer foi dar continuidade aos aspectos evolucionários dessa música que evoluiu da África para a América do Sul e para os Estados Unidos, no Novo Mundo. Há uma relação entre esses vários estilos de música afroamericana. Não há dúvida: Bob Marley foi profundamente influenciado por Sam Cooke, a Bossa Nova foi fortemente influenciada pelo jazz. Assim como os ritmos da Bossa Nova mudaram o jazz moderno. Muitos aspectos rítmicos da música sulamericana você encontra no hip-hop moderno e em todo tipo de música que vem do blues que é tocada hoje.

Você gravou alguns discos muito especiais com John Coltrane. Ele ainda é uma influência forte?

Obviamente considero John Coltrane um dos músicos mais importantes do século XX, e isso inclui Stravinsky ou qualquer compositor erudito. Sua influência foi universal, ele abriu muitas portas, possibilitou que essa música evoluísse. Ele faz a conexão entre a África e o Novo Mundo. Coltrane estava na ponta de uma nova estética, sua influência é óbvia em todo mundo que veio depois dele, incluindo eu. Ainda ouço muito: quando tenho problemas musicais, frequentemente vou a seus discos para me ajudar a resolvê-los. Ele é meu Beethoven, Bach, Mozart. Ele é meu Cézanne.

E com todos os trabalhos que realizou, o que considera haver em comum entre tudo?

Eu me formei em dramaturgia na universidade e escrevi algumas peças, e em todo meu trabalho escrito também havia música. O que tentei foi me conformar em uma tradição de rituais clássicos africanos, onde você encontra música, dança, artes visuais, escultura, tudo se combinando para criar um senso de harmonia na comunidade. Apesar de não estar mais na África, quis recriar estes aspectos rituais e encaixá-los em uma perspectiva contemporânea.

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