RONALDOEVANGELISTA


"Perdi a hora de voltar para o trabalho..."



Hoje tem um show no Cedo e Sentado que recomendo muito: Marcelo Jeneci. Garanto que se você for vai sair de lá uma pessoa melhor. Ele não faz muitos shows, mas todos que faz são especiais. Na última vez que ele tocou no Cedo e Sentado foi tão good vibe que todos saíram de lá mais leves.

Ele toca hoje acompanhado dos incríveis Curumin, Régis Damasceno e Laura Lavieri, entre pianos elétricos, órgãos, acordeões, violoncelos, violões, pedais, baixo, guitarra, bateria, samples, vocais celestiais, músicas bonitas, singeleza. Cidadão Instigado e Andreia Dias já contaram com ele nos palcos, Vanessa da Mata e Arnaldo Antunes gravaram em seus discos mais recentes parcerias com ele. E ele próprio já está em processo de gravar seu primeiro disco.

Show bom pra recarregar a bateria de coisas boas, em plena noite de quarta.

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She's so heavy


Hoje tem show da Anelis Assumpção no Sesc Pompéia. Anelis, filha do Itamar, canta no DonaZica, apresentadora do Guerrilha, saca? Pois é. Eu sempre soube que talento não faltava nela, mas outro dia assisti um show e foi impressionante. Músicos massa, funk, dub, pop, samba, versão de Karina Buhr, citação de Dawn Penn e ótima cover de Beatles, como prova o vídeo acima. E, aqui, vídeo com entrevista e trechos de ensaio. Programa bom pra quem está prestando atenção nas coisas. Depois, pra quem animar, ainda dá tempo de correr pro Cedo e Sentado e ver uma homenagem ao Herbie Hancock pelo Toró.

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A maior surpresa do show de ontem



ela tem um 13 de ouro pendurado no pescoço
sexta-feira só vai dormir depois das três da madrugada

e acende tanta vela não sei pra quem, segunda-feira
eu desconfio que essa nega é macumbeira

tem nos pés um par de galos que prevê a chuva
já leu na minha mão que vai ficar viúva

se alguém sem querer quebra um prato ou um copo ela diz:
"você vai ficar rico e não demora muito"

se jogam bebida na mesa diz que é sinal
de muita saúde, de felicidade

em tudo vê assombração
se encontra um gato preto dá doce pra cosme e damião


*

Música de Marino Pinto e Herivelto Martins, gravada pelos Anjos do Inferno em 1949.

Baixe o original aqui.

(Imagem daqui.)

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01) Aos pés da cruz (Marino Pinto / Zé da Zilda)
02) 13 de ouro (Marino Pinto / Herivelto Martins)
03) Wave (Tom Jobim)
04) Caminhos cruzados (Tom Jobim / Newton Mendonça)
05) Doralice (Dorival Caymmi)
06) Meditação (Tom Jobim / Newton Mendonça)
07) Preconceito (Wilson Batista / Marino Pinto)
08) Disse alguém (Seymour Simons / Gerald Marks / Haroldo Barbosa)
09) O pato (Jayme Silva / Neusa Teixeira)
10) Corcovado (Tom Jobim)
11) Samba do avião (Tom Jobim)
12) Ligia (Tom Jobim)
13) Você já foi à Bahia? (Dorival Caymmi)
14) Rosa Morena (Dorival Caymmi)
15) Morena boca de ouro (Ary Barroso)
16) Desafinado (Tom Jobim / Newton Mendonça)
17) Estate (Bruno Martino)
18) Não vou pra casa (Antonio Almeida / Roberto Roberti)
19) Chega de saudade (Tom Jobim / Vinicius de Moraes)
20) Isto aqui o que é? (Ary Barroso)

Bis:

21) Chove lá fora (Tito Madi)
22) O nosso olhar (Sérgio Ricardo)
23) Bahia com H (Denis Brean)
24) Da cor do pecado (Bororó)
25) Retrato em branco e preto (Tom Jobim / Chico Buarque)
26) Samba de uma nota só (Tom Jobim / Newton Mendonça)
27) Guacyra (Heckel Tavares / Juracy Camargo)
28) Pra machucar meu coração (Ary Barroso)
29) Garota de Ipanema (Tom Jobim / Vinicius de Moraes)

Foto daqui.

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Seis vídeos para entrar no clima

"João Gilberto é mesmo imprevisível..."

Nunca houve mulher como ela


Depois de anos paquerando-a de longe, assisti essa semana pela primeira vez Gilda. Tenho certeza que certas coisas só vou pegar na segunda assistida, mas já foi uma experiência enorme. Os roteiros, os diálogos, as músicas, os cigarros, as coreografias, os figurinos, os planos, a fotografia, o preto&branco, as atuações dos filmes dessa época do cinema americano são de criar complexos de inferioridade em qualquer cineasta de hoje em dia. O filme é tão perfeito e redondo que não vale a pena enumerar frases, situações ou olhares - é preciso ver pra crer.

A primeira aparição de Rita Hayworth na tela já é fashionably late, depois de considerável desenvolvimento da trama, e milimetricamente planejada - e executada - para desarmar qualquer um que duvide do poder sexual do vulcão que é Gilda, jogando os cabelos, com seus ombros de fora e o sorriso mais convidativo do mundo:



Claro, é um filme sobre a femme fatale definitiva, em 1946, então é preciso relevar os valores morais e sexuais bastante dúbios que transbordam nas intenções e pensamentos dos personagens e de seu público, mas isso é pequeno - e, na verdade, fascinante.

Tudo que parece machista e talvez até simplista nos elogios e condenações da personalidade da indomável Gilda se revela até ousado pros valores de hoje. Ela dá pra Deus e o mundo (ou dá mesmo?) e leva até tapa na cara do seu bofe quando é soltinha demais. Mas, na hora da conclusão dela própria, o raciocínio é puramente igualitário: "Isn't it wonderful? Nobody has to apologize, because we were both stinkers, weren't we?"

O argumento, como em tantos grandes filmes, soa quase irrelevante, apenas uma desculpa para te manter naquele universo, com aquelas pessoas: envolve um trambiqueiro, um cassino clandestino em Buenos Aires, monopólio de tungstênio, uma bengala assassina e muitas, muitas situações envolvendo Gilda, seu marido, o amor da sua vida e algum terceiro homem.

E na - claro que teríamos uma! - seqüência apoteótica de canto e dança de Gilda (cantando a inacreditavelmente irônica, esperta, divertida e sexy Put the Blame on Mame), outra surpresa: um strip-tease. Mas não um qualquer, o strip-tease mais sexy de todos os tempos e também o mais econômico: uma luva.



Não se fazem mais filmes assim, nem mais mulheres como Gilda. Aliás, nunca fizeram: definitivamente, nunca houve nem antes nem depois mulher como ela. E, além da Gilda ser impressionante, a Rita Hayworth não é menos apaixonante. "Todos os homens que conheci foram pra cama com a Gilda e acordaram comigo", já disse ela certa vez.

Ah, Rita, eu adoraria ir pra cama com a Gilda, mas não seria nada mal acordar com você.

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Em nosso país também se conhece a música de jazz



Capa acima, download no blog Loronix, um dos mais importantes discos do jazz brasileiro pré-samba-jazz: Jazz After Midnight, creditado a Dick Farney e seu quarteto de jazz, de 1956.

Cantor cool, moderno antes da modernidade, Dick Farney era também ótimo pianista, como qualquer faixa do disco pode provar. Junto com ele, na bateria, o monstruoso Rubinho Barsotti, desde alguns anos após esse disco e até hoje baterista do Zimbo Trio; no baixo, Xú (aqui creditado como Shoo) Viana, baluarte do samba-jazz antes da existência do samba-jazz; e, no sax alto, Casé, considerado por muitos o maior saxofonista brasileiro - apesar de ter morrido cedo e não ser tão lembrado fora dos círculos instrumentistas. Todos figuras-chave em praticamente todos os discos de jazz gravados no Brasil em fins da década de 50.

Lembre-se que o disco existe num imaginário pré-bossa nova, então aquele típico charme do jazz com sotaque brasileiro ainda não existia. A graça aqui é outra: imagine os garotos de classe média, com seus ternos bem cortados, ouvindo discos importados de jazz, enlouquecendo com os catálogos da Blue Note, Pacific, Prestige, fazendo aulas de piano, indo ao cinema ver os filmes mais ousados do momento, pensando, "por que o Brasil não pode ser moderno assim?" e se reunindo para ouvir e tocar as grandes músicas do cancioneiro americano. Talvez não fosse exatamente assim, afinal Dick já tinha 34 anos e experiência como cantor em cassinos, com orquestras, e até nos Estados Unidos, mas você entendeu o clima.

Ao lado do também excelente LP Coffe & Jazz, gravado dois anos depois, este é um dos álbuns que plantaram as sementes da modernização (alguns dirão americanização) possível na nossa música instrumental. Lembro de uma conversa com Amilton Godoy, do Zimbo Trio (para essa matéria), em que ele dizia: "Na época, os músicos mais preparados e evoluídos eram os que gostavam de jazz e tocavam com aquele suíngue, improvisando. Até que, em certo momento, nós não precisávamos mais de temas americanos, tínhamos toda a música brasileira à disposição."

Ou seja: até João Gilberto e Tom Jobim provarem que podia ser descolado curtir e fazer música brasileira, a graça estava em brincar de tocar jazz sem grandes variações. Exatamente o que eles fizeram na noite de 11 de julho de 1956, no teatro Cultura Artística, sobre sete composições de George Gershwin. (Na mesma noite ou numa data próxima eles tocaram também o que virou esse disco.)

E, talvez a informação mais interessante sobre o disco: foi o primeiro LP de doze polegadas feito no Brasil. Então com pouco mais de seis anos de idade, o novíssimo "disco de vinil" era aqui no Brasil exclusividade de artistas gringos. Os brasileiros ganhavam no máximo um 10" ou então duas músicas no tradicional compacto de goma-laca, também conhecido como 78rpm. Até meados de 1963 o 78 rotações continuava sendo um formato padrão, aos poucos dando lugar aos compactos de 33rpm - tivemos alguns 45, mas o formato foi abandonado.

Baixe aqui.

*

Da contracapa do Roberto Côrte-Real:

A idéia da realização deste LP surgiu de uma dessas reuniões em que se ouvem discos, conversando sobre jazz. Comentava-se a imaginação extraordinária de alguns músicos, demonstrada através dos desenhos imprevistos de execução sobre determinado tema. Numa dessas audições encontrava-se Dick Farney e outras pessoas apreciadoras sinceras desse gênero de música.

Jazzisticamente falando, um pormenor muito interessante que não poderia deixar de ser revelado aos possuidores deste disco é que todas as obras nele contidas foram inteiramente executadas de improviso sem nenhum arranjo, excluindo-se naturalmente as introduções, contendo assim uma autêntica jam session que demonstra de maneira incontestável o valor artístico dos músicos que nela intervieram.

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Isaac Hayes, 1942-2008

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Pensamento massa



Viu o clipe novo da Andreia Dias? Meio cafona - e por isso mesmo sensacional. A música é uma nova, meio jazzy, totalmente pop, das melhores dela.

A Andreia tem uma cara-de-pau, uma disposição a uma doçura cínica que é refrescante no mar de obviedades em que nadam tantas cantoras brasileiras. Com sua postura anti-frescuras, suas letras direto-ao-ponto, sua estética sem firulas e sua feminilidade pós-feminismo, ela já sai ganhando simplesmente por ser uma pessoa de carne-e-osso, cheia de idiossincrasias. Não que ela não viva um personagem, todo artista pop o faz. A pequena diferença é que o personagem dela é mais divertido, mais cheio de referências interessantes, mais surreal e mais real. Ou seja, passando longe do principal mal que acomete as novas cantoras: se perder naquele momento crucial de definir sua persona.

A pressão que elas próprias colocam sobre si mesmas, o peso da construção de uma tal "carreira", a expectativa da imprensa e dos descobridores profissionais de novidades, os moldes que existem há tanto tempo que já se tornaram clichês de postura, visual, escolha de repertório, bom-mocismo: tudo isso se somatiza e se transforma em um medo de ousar, uma genericidade que persegue nove em cada dez novas cantoras. Há de se levar em conta também a explícita falta de talento de algumas, mas isso, por cavalheirismo, a gente não comenta.

De qualquer maneira, talento, criatividade e disposição à inovação não faltam em Andreia. Debochada, assanhada, com alma de metaleira e espírito de sambista, ela é o tipo que você corre o risco de encontrar no boteco da esquina depois do próprio show, sem quaisquer diferenças claras entre a mulher no palco e fora dele. Com senso de humor agudo e sem medo do mundo, ela segue a tradição das cantoras que batem o pau na mesa. Metaforicamente falando, é claro.

E isso tudo só comentando perifericamente o quanto ela é ótima compositora, o quanto são boas suas interpretações e o quanto seu disco é dos melhores dos últimos tempos. Essa música aí em cima, em especial, tem um certo quê de Rita Lee pós-pós-Mutantes que, acidental ou não, não é mera coincidência: a doçura, a acidez, a ironia, a paulistanidade, a inteligência pop, a individualidade artística, são várias as semelhanças entre as duas. Mas, mais do que isso: vejo e ouço um quê de Peggy Lee, Anita O'Day, Lily Allen.

Em comum há o fato da música de todas ser perfeitamente pop, mas sempre com algo levemente fora de lugar, só o suficiente para te deixar curioso. Aquela eterna ousadia de, com um sorriso de canto de boca, fazer sempre questão de confundir para explicar.

*



Falando nisso, viu que a Andreia participou do disco novo do Tom Zé? Ela e Anelis Assumpção, Mariana Aydar, Tita Lima, Marina de La Riva, Zélia Duncan, Fernanda Takai, Fabiana Cozza, Jussara Silveira, Monica Salmaso.

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Introspecção mística



Fumar maconha nunca me fez mal em termos absolutos, em termos do que se pode julgar como mal, e nunca me levou a fazer mal. Isso é o que eu posso testemunhar como experimentador da coisa. Como homem que fez e faz a experiência de fumar. Eu acho que é importante, é uma coisa que foi culturalmente discutida em níveis profundos no mundo inteiro. Por que não no Brasil? Por que manter esse obscurantismo todo, esse medo da modernidade, esse medo da atualidade, esse medo de estar no mundo de hoje? Eu acho que eu sou mesmo um exemplo disso. Quer dizer, se você relaciona, faz a relação homem-maconha, mente-maconha, trabalho-maconha, criação-maconha, comportamento-maconha etc e assim por diante, e você busca todo esse relacionamento numa pessoa como eu, vê o quadro estatístico da minha produção, do meu comportamento e de tudo, você não pode a partir disso continuar imputando à maconha a maldição que ela tem.

O vídeo é trecho desse filme. A fala é dessa entrevista. E boa sorte pra ele na nova velha vida.

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