RONALDOEVANGELISTA


Em nosso país também se conhece a música de jazz



Capa acima, download no blog Loronix, um dos mais importantes discos do jazz brasileiro pré-samba-jazz: Jazz After Midnight, creditado a Dick Farney e seu quarteto de jazz, de 1956.

Cantor cool, moderno antes da modernidade, Dick Farney era também ótimo pianista, como qualquer faixa do disco pode provar. Junto com ele, na bateria, o monstruoso Rubinho Barsotti, desde alguns anos após esse disco e até hoje baterista do Zimbo Trio; no baixo, Xú (aqui creditado como Shoo) Viana, baluarte do samba-jazz antes da existência do samba-jazz; e, no sax alto, Casé, considerado por muitos o maior saxofonista brasileiro - apesar de ter morrido cedo e não ser tão lembrado fora dos círculos instrumentistas. Todos figuras-chave em praticamente todos os discos de jazz gravados no Brasil em fins da década de 50.

Lembre-se que o disco existe num imaginário pré-bossa nova, então aquele típico charme do jazz com sotaque brasileiro ainda não existia. A graça aqui é outra: imagine os garotos de classe média, com seus ternos bem cortados, ouvindo discos importados de jazz, enlouquecendo com os catálogos da Blue Note, Pacific, Prestige, fazendo aulas de piano, indo ao cinema ver os filmes mais ousados do momento, pensando, "por que o Brasil não pode ser moderno assim?" e se reunindo para ouvir e tocar as grandes músicas do cancioneiro americano. Talvez não fosse exatamente assim, afinal Dick já tinha 34 anos e experiência como cantor em cassinos, com orquestras, e até nos Estados Unidos, mas você entendeu o clima.

Ao lado do também excelente LP Coffe & Jazz, gravado dois anos depois, este é um dos álbuns que plantaram as sementes da modernização (alguns dirão americanização) possível na nossa música instrumental. Lembro de uma conversa com Amilton Godoy, do Zimbo Trio (para essa matéria), em que ele dizia: "Na época, os músicos mais preparados e evoluídos eram os que gostavam de jazz e tocavam com aquele suíngue, improvisando. Até que, em certo momento, nós não precisávamos mais de temas americanos, tínhamos toda a música brasileira à disposição."

Ou seja: até João Gilberto e Tom Jobim provarem que podia ser descolado curtir e fazer música brasileira, a graça estava em brincar de tocar jazz sem grandes variações. Exatamente o que eles fizeram na noite de 11 de julho de 1956, no teatro Cultura Artística, sobre sete composições de George Gershwin. (Na mesma noite ou numa data próxima eles tocaram também o que virou esse disco.)

E, talvez a informação mais interessante sobre o disco: foi o primeiro LP de doze polegadas feito no Brasil. Então com pouco mais de seis anos de idade, o novíssimo "disco de vinil" era aqui no Brasil exclusividade de artistas gringos. Os brasileiros ganhavam no máximo um 10" ou então duas músicas no tradicional compacto de goma-laca, também conhecido como 78rpm. Até meados de 1963 o 78 rotações continuava sendo um formato padrão, aos poucos dando lugar aos compactos de 33rpm - tivemos alguns 45, mas o formato foi abandonado.

Baixe aqui.

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Da contracapa do Roberto Côrte-Real:

A idéia da realização deste LP surgiu de uma dessas reuniões em que se ouvem discos, conversando sobre jazz. Comentava-se a imaginação extraordinária de alguns músicos, demonstrada através dos desenhos imprevistos de execução sobre determinado tema. Numa dessas audições encontrava-se Dick Farney e outras pessoas apreciadoras sinceras desse gênero de música.

Jazzisticamente falando, um pormenor muito interessante que não poderia deixar de ser revelado aos possuidores deste disco é que todas as obras nele contidas foram inteiramente executadas de improviso sem nenhum arranjo, excluindo-se naturalmente as introduções, contendo assim uma autêntica jam session que demonstra de maneira incontestável o valor artístico dos músicos que nela intervieram.

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3 Responses to “Em nosso país também se conhece a música de jazz”

  1. # Blogger Beatriz Antunes

    Engraçado você falar do Gershwin. Estou metida numa obsessão esses dias de encontrar as várias gravações que existem de "They All Laughed", que conheci primeiro com o Chet, mas que o Sinatra também gravou e a Ginger Rogers cantou (e dançou com o Fred Astaire) em Shall We Dance, de 37. Sobre a sua descrição da aura "jazzy" pré-bossa, nunca tinha pensado nisso assim. Na verdade, não me passava pela cabeça esse momento, mas vai ser bom arrumar uma imagem para esse período ouvindo o disco que vc disponibilizou aqui. Enquanto isso, olha lá que bonitinho: http://br.youtube.com/watch?v=1L0a1pecLCI
    Tou só esperando fazer algum sentido declarar, seja lá para que fim for, que eu ri por último para postar esse vidinho... Mas pra dizer a verdade, acho que ainda demora. De qualquer modo, a música é um "lava-alma" docinho, bem à moda dos anos 30.
    Beijo!  

  2. # Blogger Ronaldo Evangelista

    Bea, só posso dizer que amo o Fred & a Ginger e o Shall We Dance é meu favorito deles, junto com o Swing Time.
    E amo They All Laughed e a versão do Chet é a minha favorita. Já ouviu a da Ella com o Louis?
    E já que o papo tá de nerd mesmo: já ouviu a versão do disco Astaire Story?
    Bj  

  3. # Blogger Beatriz Antunes

    Não! Me manda a música e ensina-me a viver. Esse disco deve ser, oh, demais.  

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