Ah, meu deus do céu, vá ser sério assim no inferno
4 Comments Published by Ronaldo Evangelista on quarta-feira, 3 de dezembro de 2008 at 1:33 AM.Domingo, sete da noite, auditório Ibirapuera, show do Tom Zé. Ele está cantando "Brigitte Bardot", música sua de 1973, do incrível álbum Todos os Olhos. A Brigitte Bardot está ficando velha. Será que algum rapaz de vinte anos vai telefonar na hora exata em que ela estiver com vontade de se suicidar? Quem conhece se diverte, quem não conhece simplesmente sente o susto planejado por Tom Zé: de repente a banda toda, que desde o começo da música se continha em sussurros, se transfere do piano ao mezzo forte, transliterando ao som a intensidade da tendência suicida da Bardot de Zé.
Quando a gente era pequeno pensava que quando crescesse ia ser namorado da Brigitte Bardot, continua a música. Mas a Brigitte Bardot está ficando velha, e de susto não morre mais: na repetição, onde antes havia o som abrupto, aqui há o fim tranqüilo. Tom Zé percebe o efeito do anticlímax: "Ah, vocês acharam que ia ser igual de novo? Aí não ia ter graça; a arte tem que surpreender."
Ironicamente, o mise en scène que gerou todo o imbroglio virtual começou com Tom Zé ironizando a onipresença de Caetano. "Você vai me entrevistar amanhã", começou ele ao microfone, ao comentar a presença de Pedro Alexandre Sanches na audiência. "Se for pra perguntar de Caetano, nem vá." Todo mundo riu e quase ficou por isso mesmo. Mas papo vai, papo vem, foi.
Caetano, todos sacam, é condescendente com todos e em especial com Tom Zé. Tom Zé, todos sacam, tem um certo orgulho ferido pelo carão de 30 anos do Caetano. Mas, convenhamos, ninguém tem culpa do ostracismo de ninguém. Cá de meu lado, acho Tom Zé um artista muito mais interessante quando totalmente independente de todo o Tropicalismo (salvo Duprat). Seus melhores discos soam tropicalistas apenas na medida em que Tom Zé é tropicalista avant la lettre: as fusões e experimentações e ironias e senso pop de manchete de jornal são naturais a ele e por ele foram emprestadas ao movimento.
Uma vez, conversando com Tom Zé justamente sobre uma "exclusão" sua do grupo tropicalista de elite, ele me dise: "minha obrigação é gostar e minha melhor estratégia é amar." Desde sempre essencialmente um inventor, Tom Zé se justifica na sua criatividade, não em qualquer carteira de associado de clube de ex-tropicalistas ou compositores malditos ou ídolos cult de descolados gringos. Daí, às vezes temo ele cair na armadilha de abusar do ostracismo, de um antagonismo com Caetano, de tanta excentricidade ou qualquer de suas criações tão interessantes como matéria-prima. Porque, afinal, a arte tem que surpreender.
Em pleno 1973, Tom Zé surpreendia quem ouvia "Complexo de Épico", música que abre e fecha Todos os Olhos. Sobre uma base gravada, recortada e colada - um loop analógico, portanto -, ele canta (bem, "canta"):
Todo compositor brasileiro é um complexado
Porque então essa mania danada
Essa preocupação de falar tão sério
De parecer tão sério
De ser tão sério
De se sorrir tão sério
De se chorar tão sério
De brincar tão sério
De amar tão sério?
Ah, meu Deus do céu
Vá ser sério assim no inferno
Marcadores: Caetano Veloso, Estudando Tom Zé, Play, Tom Zé
acho excelente o conselho do tom! e melhor ainda é que ele o segue à risca. belo texto, evan =*
a melhor estratégia sempre é amar.
Achei curioso que o link ali em cima ficou "http://vitrola.blogspot.com/2008/12/ah-meu-deus-do-cu". Aí vc abre e te a foto. Fez sentido.
tudo planejado, a partir do comentário que gerou a celeuma.