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Eisner/Miller



Will Eisner era um gênio do olhar fotográfico. Suas luzes, seus ângulos, seus recortes são até hoje o auge da sofisticação visual dos quadrinhos como mídia e arte. Mais que isso: cada painel que Eisner deixava de desenhar para em seu lugar levantar um prédio, mostrar um poste de luz, detalhar uma mesa, enquadrar uma vitrine dava tanto movimento a cada cena que há mais de 60 anos seu estilo é chamado de cinematográfico. Daí, muito justo um cara como Frank Miller (que tão claramente tem os cenários urbanos de Eisner como inspiração para sua cultuada série Sin City) mergulhar no universo de Eisner e sua principal criação, o Spirit, para uma adaptação pro cinema.

Adaptando o roteiro e dirigindo o filme, usando um alardeado método de filmagem que trará os próprios cenários de Eisner (ou quase isso) para o fundo da ação, colocando seus dois centavos no imaginário do personagem, Miller parece ideal para dirigir o filme. Exceto que, pelo menos sob um aspecto, não é. Roteirista azeitado com os truques do storytelling, desenhista ousado, figura com boa dose de iconoclastia, Miller tem boas qualidades como artista. Mas lhe falta uma essencial: a sutileza.



O clima de pop arte noir do Spirit, tão denso quanto lúdico, sempre foi um dos grandes atrativos de sua obra e uma das maiores influências que exerceu no formato. Na década de 40, nos jornais, heróis vivendo aventuras rápidas e mirabolantes como o Spirit não eram raridade. Mas Eisner subiu o nível da conversa, e não só por seu traço apurado.

Depois de algum tempo seguindo tramas aventurescas charmosas em sua inocência e impressionantes em sua técnica criativa, Spirit deu um passo além: começou a contar histórias subvertendo narrativas e expectativas, esmiuçando detalhes fantásticos de pequenas vidas infelizes e normais. Vieram "Rudy The Barber", "Ten Minutes", "Gerhard Shnobble", todas recortes de pequenas grandes vidas da cidade, em que Spirit não é mais que um figurante. São histórias sobre "pessoas que vivem suas vidas, fazem grandes coisas, vivem momentos de glória que ninguém vê", já disse o próprio Eisner.



Daí, vejo o trailer do Spirit de Frank Miller, cheio de personagens com cara de mau segurando armas enormes, mulheres gostosas fazendo biquinho, estética plástica de estilo cartunesco, efeitos especiais beirando a animação e pergunto: cadê a sutileza dos roteiros, a doçura dos personagens, a sensibilidade das histórias, tudo aquilo que torna Spirit especial, mais do que legal?

Sem isso, a adaptação cinematográfica vira puro fetiche de entretenimento - como entrar numa loja de quadrinhos e comprar um boneco para fazer companhia ao computador em cima da mesa. Massa demais, mas pouco para uma obra tão grande como o Spirit.

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