Quieto no meu quarto
0 Comments Published by Ronaldo Evangelista on domingo, 23 de março de 2008 at 1:27 PM.
Noite branca. Nada passa pro papel. Vontade imensa de escrever, mas tem boi na linha. Outro cigarro, outro cigarro. O álcool começa a fazer minha cabeça. E se eu parasse de beber e dar bola e agüentasse a palo seco a porra da ansiedade? Outro dia tentei e não deu pé. Suei frio, deu tremendeira, achei que ia pirar. Não conseguia juntar três palavras numa frase; caí então no rum, única bebida que sobrara em casa. Matei metade da garrafa. A noite ficou mais suportável, escrevi uma carta pra Sônia com desaforos mais ou menos líricos. A bebida desce raspando as unhas na minha garganta e abrindo um buraco ardente no meu estômago. Meu pobre estômago malhado. Na janela, o cubo da noite convida poeticamente pro salto.
Me lembro da manhã de verão ensopada de sol, numa rua do Leblon, em que vi Drummond. Camisa abotoada até o pescoço. Cruzei com ele e seus olhos cinzentos fixos em qualquer coisa que andava à sua frente e não se via. Não eram os edifícios, não eram as caras da rua, nem os outdoors. Não se via. Tive um tchans muito estranho vendo a cara do poeta, que me pareceu de uma serenidade quase sem vida. E aqueles olhos que olhavam o que não se via. Passou por mim e eu vupt fiz meia-volta e fui atrás dele. O homem que uma vez disse que é apenas um homem seguia imperturbável seu caminho, ali na minha frente.
Fui seguindo Drummond pelas calçadas do Leblon até me convencer de que o homem à minha frente não era o poeta. Era mesmo apenas um homem dentro dos seus sapatos. O poeta está guardado em mim, num lugar que nem desconfio, e não tem cara e não tem corpo. É só uma vibração que me acompanha nas minhas noites brancas, vida afora. Larguei de segui-lo. Voltei pelo mesmo caminho, fui cuidar da vida.
Não seguro a barra dessa solidão espessa sem um copo na mão. E um charo bem enrolado. tem razão o Pascal: o homem não toma jeito enquanto não aprende a ficar quieto no seu quarto. Ele diz também que a calma entedia o cidadão e o obriga a sair e "mendigar o tumulto". Jogo mais uísque nas pedras.
A França, quietinha lá fora. Acho que francês segura melhor a barra da solidão que brasileiro. Parece, pelo menos. O brasileiro tem medo pânico da solidão. É um ser que padece de pluralidade. Um cara solitário no Brasil é tratado socialmente como tuberculoso e se sente pessoalmente como leproso. Brasileiro só acata a solidão na privada e no caixão. E, às vezes, nem aí: quantos não caem na vala comum...
Fiz trinta anos e ando com medo de levar a breca na vida. Ficar sem grana, sem amigos, sem mulher. Um ratê baixo astral, desses que sentam no meio-fio e vertem lágrimas grossas como pitangas. E se deixam lamber na cara por um vira-lata sarnento. Te esconjuro, Nelson Rodrigues!
Do Tanto Faz, do Reinaldo Moraes.
Me lembro da manhã de verão ensopada de sol, numa rua do Leblon, em que vi Drummond. Camisa abotoada até o pescoço. Cruzei com ele e seus olhos cinzentos fixos em qualquer coisa que andava à sua frente e não se via. Não eram os edifícios, não eram as caras da rua, nem os outdoors. Não se via. Tive um tchans muito estranho vendo a cara do poeta, que me pareceu de uma serenidade quase sem vida. E aqueles olhos que olhavam o que não se via. Passou por mim e eu vupt fiz meia-volta e fui atrás dele. O homem que uma vez disse que é apenas um homem seguia imperturbável seu caminho, ali na minha frente.
Fui seguindo Drummond pelas calçadas do Leblon até me convencer de que o homem à minha frente não era o poeta. Era mesmo apenas um homem dentro dos seus sapatos. O poeta está guardado em mim, num lugar que nem desconfio, e não tem cara e não tem corpo. É só uma vibração que me acompanha nas minhas noites brancas, vida afora. Larguei de segui-lo. Voltei pelo mesmo caminho, fui cuidar da vida.
Não seguro a barra dessa solidão espessa sem um copo na mão. E um charo bem enrolado. tem razão o Pascal: o homem não toma jeito enquanto não aprende a ficar quieto no seu quarto. Ele diz também que a calma entedia o cidadão e o obriga a sair e "mendigar o tumulto". Jogo mais uísque nas pedras.
A França, quietinha lá fora. Acho que francês segura melhor a barra da solidão que brasileiro. Parece, pelo menos. O brasileiro tem medo pânico da solidão. É um ser que padece de pluralidade. Um cara solitário no Brasil é tratado socialmente como tuberculoso e se sente pessoalmente como leproso. Brasileiro só acata a solidão na privada e no caixão. E, às vezes, nem aí: quantos não caem na vala comum...
Fiz trinta anos e ando com medo de levar a breca na vida. Ficar sem grana, sem amigos, sem mulher. Um ratê baixo astral, desses que sentam no meio-fio e vertem lágrimas grossas como pitangas. E se deixam lamber na cara por um vira-lata sarnento. Te esconjuro, Nelson Rodrigues!
Do Tanto Faz, do Reinaldo Moraes.
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