Viver em plena consciência é uma coisa meio louca
2 Comments Published by Ronaldo Evangelista on terça-feira, 11 de março de 2008 at 12:19 AM.
O freak supremo Skylab anunciou a própria morte em seu blog.
No que vai dar, não sei. Mas me pareceu uma boa desculpa pra recuperar essa matéria que eu escrevi na Trip ano passado. Apesar da obra dele, foi uma das entrevistas mais divertidas, interessantes e surreais que já fiz na vida. Qualquer dia recupero o material bruto pro meu livro de entrevistas.
De tirar o sono
Ele é um pacato funcionário do Banco do Brasil. Alguns juram que ele é louco, bobagem. A culpa é de sua persona dominate, Rogério Skylab, que rouba o sono dele
Por Ronaldo Evangelista Foto Caroline Bittencourt
Rogério Skylab não é louco. Talvez você já tenha duvidado disso, se já esteve presente em algum de seus shows ou se já ouviu alguma de suas músicas, talvez algum hit como “Matador de Passarinho”. Talvez você tenha achado perturbador, talvez engraçado. Mas Skylab não é nem uma coisa nem outra: ele está falando sério.
Talvez louco seja Rogério Tolomei Teixeira, identidade que Skylab assume nas horas normais, seis por dia, trabalhando no setor interno do Banco do Brasil, cumprindo a mesma rotina há décadas. Puro pragmatismo: é uma máscara. “Ter múltiplas personalidades e viver uma vida dupla é algo fundamental para a arte contemporânea, serve de inspiração”, diz a personalidade dominante, Skylab. Sua insanidade é o que o mantém são.
E, se passa os dias no banco, é à noite que ele vive de verdade. “A madrugada pra mim é sagrada”, conta. “É ali que eu faço minhas músicas. Eu durmo tarde e durmo pouco, é um hábito: quatro horas de sono. Se eu dormisse dez estaria mais disposto, mas eu prefiro viver nesse estado de torpor, de sonolência. Viver em plena consciência é uma coisa meio louca. Prefiro viver longe do mundo, preocupado com a minha vida. Isso está ligado ao pensamento do Foucault, de fazer de sua vida uma obra de arte, como os gregos antigos. Quero dar à minha vida um valor estético, sem representação, sem política. Quero chegar num ponto em que você me pergunte quem é o presidente da República e eu te diga ‘não sei’.”
Skylab, é verdade, parece um ser estranho. Mas, ele jura, é uma pessoa normal. Tão normal que parece estranho. Conversar com Skylab é uma experiência muito diferente de ouvir suas músicas. Formado em filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele é tão culto e esclarecido quanto suas músicas, de qualquer um de seus sete discos, são vulgares e ofensivas. Afinal, sua estética é a do confronto, de chocar. Em uma letra como a de “Câncer no Cu”, por exemplo, em que o cantor pergunta qual a diferença entre Mario Covas, Ana Maria Braga e ele – e responde: Mario Covas já morreu, Ana Maria Braga está morrendo e ele um dia vai morrer. De quê? O título é auto-explicativo.
Como se justifica tamanho baixo nível? Não se justifica, e essa é a questão central de Skylab. Sua vulgaridade é um de seus maiores patrimônios. O que ele faz, afinal, é mostrar possibilidades ainda inexploradas da música brasileira, ainda que lançando mão de uma estética de gosto duvidoso.
“Quando eu falo em escatologia, sei contra quem estou falando: contra a MPB. Porque o que está em jogo em toda a história da música popular brasileira é a idéia de comunicação. O que está sempre presente é a consciência, o racional, a reflexão. Mesmo com uma poesia difícil, é sempre algo cabeça. A escatologia não é cabeça, é a volta do corpo”
Figura cult, visto como transgressor nos circuitos paulistano e carioca de shows alternativos. Personagem adorado, engraçado, habitué do programa do Jô Soares. No fundo, Skylab é um incompreendido. E essa, ele diz, é exatamente a razão de existir de toda a sua música.
“Freud dizia que a origem do riso é o familiar”, ensina. “A beleza clássica está ligada à idéia do reconhecimento. Uma música estranha nunca vai ser bela. E o meu trabalho não é voltado a olhar pro familiar, mas pro estranho. No fundo, meu trabalho está voltado pra não-comunicação.”
Ou seja, suas músicas apenas parecem impressionantes porque não estamos acostumados a ela. As coisas que ele diz não são chocantes em si, o chocante é ele dizê-las. Se ele é louco e bizarro, é por assumir o papel de cantar o que pensa e se expressar como se expressa. Normal não é. Mas vá dizer que realmente não é.
“Tem uma coisa nisso de voltar contra si próprio”, auto-analisa. “De não se levar a sério, de desconfiar do ego. É achar que o ego já é uma falsificação, uma invenção sua. Arte não explica nada. Arte é. E cada um capta o que pode captar. Daí a superioridade da arte em relação a um discurso explicativo. O meu discurso é inferior aos meus discos. Mas se você ouvir meu disco e achar uma bobagem, achar que eu sou um pateta, problema seu. Sartre dizia: quando você lança um trabalho, no que ele se transforma já está fora de quem o elaborou.”
Basicamente, Skylab não facilita as coisas pra ninguém. Você ouve e gosta, seja lá por qual motivo, ou detesta. De repente você acha engraçado, apesar de ele dizer que, se há humor, é acidental. De repente você acha muito louco e curte ouvir, como um adolescente querendo irritar os pais. Difícil é entender completamente o que se passa ali, mas isso é afinal o que torna a música dele no mínimo interessante. A verdade é que nem ele sabe exatamente o que está fazendo, mas sente que tem que fazer mesmo assim.
“Fazer música pra mim é a imagem de um motorista de olhos vendados dirigindo um carro em alta velocidade”, visualiza. “É algo misterioso, você faz por uma força impulsiva. Minhas músicas são uma ficção, têm um aspecto sensorial. Eu falo de coisas terríveis que não são reais, mas que são uma realidade profunda. Quando eu falo de câncer no cu, é um artifício, quero dizer uma outra coisa. Mas você vai ter que mergulhar pra saber o que é.”
No que vai dar, não sei. Mas me pareceu uma boa desculpa pra recuperar essa matéria que eu escrevi na Trip ano passado. Apesar da obra dele, foi uma das entrevistas mais divertidas, interessantes e surreais que já fiz na vida. Qualquer dia recupero o material bruto pro meu livro de entrevistas.
De tirar o sono
Ele é um pacato funcionário do Banco do Brasil. Alguns juram que ele é louco, bobagem. A culpa é de sua persona dominate, Rogério Skylab, que rouba o sono dele
Por Ronaldo Evangelista Foto Caroline Bittencourt
Rogério Skylab não é louco. Talvez você já tenha duvidado disso, se já esteve presente em algum de seus shows ou se já ouviu alguma de suas músicas, talvez algum hit como “Matador de Passarinho”. Talvez você tenha achado perturbador, talvez engraçado. Mas Skylab não é nem uma coisa nem outra: ele está falando sério.
Talvez louco seja Rogério Tolomei Teixeira, identidade que Skylab assume nas horas normais, seis por dia, trabalhando no setor interno do Banco do Brasil, cumprindo a mesma rotina há décadas. Puro pragmatismo: é uma máscara. “Ter múltiplas personalidades e viver uma vida dupla é algo fundamental para a arte contemporânea, serve de inspiração”, diz a personalidade dominante, Skylab. Sua insanidade é o que o mantém são.
E, se passa os dias no banco, é à noite que ele vive de verdade. “A madrugada pra mim é sagrada”, conta. “É ali que eu faço minhas músicas. Eu durmo tarde e durmo pouco, é um hábito: quatro horas de sono. Se eu dormisse dez estaria mais disposto, mas eu prefiro viver nesse estado de torpor, de sonolência. Viver em plena consciência é uma coisa meio louca. Prefiro viver longe do mundo, preocupado com a minha vida. Isso está ligado ao pensamento do Foucault, de fazer de sua vida uma obra de arte, como os gregos antigos. Quero dar à minha vida um valor estético, sem representação, sem política. Quero chegar num ponto em que você me pergunte quem é o presidente da República e eu te diga ‘não sei’.”
Skylab, é verdade, parece um ser estranho. Mas, ele jura, é uma pessoa normal. Tão normal que parece estranho. Conversar com Skylab é uma experiência muito diferente de ouvir suas músicas. Formado em filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele é tão culto e esclarecido quanto suas músicas, de qualquer um de seus sete discos, são vulgares e ofensivas. Afinal, sua estética é a do confronto, de chocar. Em uma letra como a de “Câncer no Cu”, por exemplo, em que o cantor pergunta qual a diferença entre Mario Covas, Ana Maria Braga e ele – e responde: Mario Covas já morreu, Ana Maria Braga está morrendo e ele um dia vai morrer. De quê? O título é auto-explicativo.
Como se justifica tamanho baixo nível? Não se justifica, e essa é a questão central de Skylab. Sua vulgaridade é um de seus maiores patrimônios. O que ele faz, afinal, é mostrar possibilidades ainda inexploradas da música brasileira, ainda que lançando mão de uma estética de gosto duvidoso.
“Quando eu falo em escatologia, sei contra quem estou falando: contra a MPB. Porque o que está em jogo em toda a história da música popular brasileira é a idéia de comunicação. O que está sempre presente é a consciência, o racional, a reflexão. Mesmo com uma poesia difícil, é sempre algo cabeça. A escatologia não é cabeça, é a volta do corpo”
Figura cult, visto como transgressor nos circuitos paulistano e carioca de shows alternativos. Personagem adorado, engraçado, habitué do programa do Jô Soares. No fundo, Skylab é um incompreendido. E essa, ele diz, é exatamente a razão de existir de toda a sua música.
“Freud dizia que a origem do riso é o familiar”, ensina. “A beleza clássica está ligada à idéia do reconhecimento. Uma música estranha nunca vai ser bela. E o meu trabalho não é voltado a olhar pro familiar, mas pro estranho. No fundo, meu trabalho está voltado pra não-comunicação.”
Ou seja, suas músicas apenas parecem impressionantes porque não estamos acostumados a ela. As coisas que ele diz não são chocantes em si, o chocante é ele dizê-las. Se ele é louco e bizarro, é por assumir o papel de cantar o que pensa e se expressar como se expressa. Normal não é. Mas vá dizer que realmente não é.
“Tem uma coisa nisso de voltar contra si próprio”, auto-analisa. “De não se levar a sério, de desconfiar do ego. É achar que o ego já é uma falsificação, uma invenção sua. Arte não explica nada. Arte é. E cada um capta o que pode captar. Daí a superioridade da arte em relação a um discurso explicativo. O meu discurso é inferior aos meus discos. Mas se você ouvir meu disco e achar uma bobagem, achar que eu sou um pateta, problema seu. Sartre dizia: quando você lança um trabalho, no que ele se transforma já está fora de quem o elaborou.”
Basicamente, Skylab não facilita as coisas pra ninguém. Você ouve e gosta, seja lá por qual motivo, ou detesta. De repente você acha engraçado, apesar de ele dizer que, se há humor, é acidental. De repente você acha muito louco e curte ouvir, como um adolescente querendo irritar os pais. Difícil é entender completamente o que se passa ali, mas isso é afinal o que torna a música dele no mínimo interessante. A verdade é que nem ele sabe exatamente o que está fazendo, mas sente que tem que fazer mesmo assim.
“Fazer música pra mim é a imagem de um motorista de olhos vendados dirigindo um carro em alta velocidade”, visualiza. “É algo misterioso, você faz por uma força impulsiva. Minhas músicas são uma ficção, têm um aspecto sensorial. Eu falo de coisas terríveis que não são reais, mas que são uma realidade profunda. Quando eu falo de câncer no cu, é um artifício, quero dizer uma outra coisa. Mas você vai ter que mergulhar pra saber o que é.”
Marcadores: Evangelista Jornalista, Skylab
Me dói ver uma matéria tão boa e tão esquecida pelos leitores.
Estou pegando partes do seu texto para postar no meu blog, estou lhe concedendo as referências devidas por lá.
Parabéns pela matéria, boa pra caralho.
Abraço.
Gostaria de fechar parceria.
Éras?