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Abre Aspas: Caetano dá o toque: Chega de Humildade e Modéstia



Muita gente ainda se escandaliza quando Caetano Veloso diz: "acho lindo tudo que faço".

Ainda é considerado de muito bom tom cultivar a "modéstia" e a "humildade". Ou seja: achar medíocre tudo o que faz e esperar ansiosamente - com aquele biquinho de passarinho pedindo água - que alguma alma caridosa encontre méritos em seu trabalho...

Ora, ora, Dona Aurora: se nem você acha lindo o que faz quem vai achar?

E que "humildade" é essa, de se manter sempre numa posição de cômoda e covarde inferioridade diante da opinião alheia?

"Humildade" é um estado de espírito deturpado que o coloca à total disposição dos outros, sempre disposto a sacrificar suas maiores ou menores liberdades individuais em favor das mais tolas e medíocres expectativas e vontades alheias.

Estou falando dessa tristemente ridícula "humildade" que é cotidianamente cobrada de todos entre o medo e a subserviência. É claro que não falo do grandioso sentido de uma verdadeira humanidade que nasce do sentimento d pequenez e fugacidade do humano diante do Tempo e do Universo, diante da Vida e da Natureza.

Quase sempre falam em relação a artistas de sucesso, como se fosse uma grande virtude. "Fulano fez uma carreira brilhante mas continua o mesmo, o mesmo rapaz humilde de sempre..."

Ora, só um perfeito idiota pode se manter o mesmo ao longo de muitos anos de luta, eventuais vitórias, desapontamentos, amarguras, sonhos furados etc etc etc. Nunca um artista.

Pode parecer esperteza, mas as cabeças mais espertinhas sacarão que realmente se trata de sólida otarice fingir que considera uma bobagem tudo o que faz. No mínimo, corre o risco de algum "julgador" concordar instantaneamente... e ser odiado no ato.

Todos esses equívocos sobre "modéstia" e "humildade" estão muito ligados a um sentido permanente de estar em julgamento - que por sua vez deriva da compulsão de julgar permanentemente as ações, intenções (in-tensões) e omissões de todos. Para esquecer suas próprias...

É ou não é triste ter que fingir para os outros que se acha pequeno e desimportante quando o coração está aos pulos ansiando para que alguém confirme o que não se tem coragem de sentir?

Sugiro a todos e a mim mesmo uma reflexão mais profunda sobre esses palpitantes temas, esperando que o pensamento deságüe nos - esses sim - grandiosos sentidos da fugacidade humana diante das forças da Natureza e do Espírito, talvez uma das raras vias de se chegar a alguma coisa próxima da compreensão e da integração do Todo.

Isso não tem nada a ver com essas melancólicas e falsas "modésitas" e "humildades" para uso externo - revela a sabedoria de encarar de frente e para o fundo a fragilidade e curteza da vida humana e, de forma ampla e generosa, as grandezas do Espírito Humano, ao buscar a consciência do amor, do amor próprio profundo e vivificante - que não tem qualquer parentesco com o se sentir no centro do universo; e mesmo assim precisar que alguém lhe diga que está vivo e que merece estar.

É hora também de pensar com mais profundidade sobre esses significados que estão envolvendo as atitudes de "modésita".

Basicamente significa não se elogiar antes que os outros elogiem... Coisa triste, pequena e medrosa.

E quando o esperado, esperadíssimo, ansiado elogio e confirmação de méritos vem, baixar candidamente os olhinhos e murmurar um
Se você acha que não é ninguém, então é porque não deve ser ninguém mesmo... merece ser ninguém! Se você não se gosta, como esperar que algum desavisado ou ensandecido goste?

"Modéstia" ultimamente anda sendo muito associada a uma negativa dos próprios méritos e esforços; nunca em seus sentidos mais amplos e duradouros, ligados ao ascetismo, à alma imortal, à dispensa de luxos materiais e espirituais, em favor de valores mais profundos e essenciais.

Quem tem, com sua arte e seu trabalho, objetivos modestos, quer dizer tímidos, quase sempre só pode mesmo alcançar resultados modestos. E aí o malandro fica insatisfeito, reclamando da vida e do destino, ressentido, amargurado - mas sempre com aquela cabecinha discretamente baixa, querendo fazer crer a todos que já recebeu da vida muito mais que merecia...

Bem faz Caetano que tem coragem suficiente e intuição luminosa da luta feroz que representa um trabalho criativo; para ousar dizer que acha lindo tudo o que cria. Pode ser até que para ele mesmo, dentro de algum tempo, não seja mais tão lindo assim. Mas será vivido profundamente; tanto o feito como o conceito.

Só quem tem consciência de sua própria verdade e honestidade na busca e na luta pelos seus sonhos pode dizer sem medo que acha lindo tudo que faz. Honestidade bastante para saber que, se não achasse lindo, simplesmente não faria...

Que me perdoem a falta de modéstia e a ausência de humildade, mas acredito firmemente que tudo isso que foi escrito é bom e útil. Pode ser até que não seja, e é perfeitamente justo - nem vou me ofender por isso - que muitos não achem assim. Afinal, só os que se julgam perfeitos não podem admitir que discordem de seus pontos de vista; ódio eterno aos discordantes. Isso sim, é estúpida falta de humildade, modéstia e generosidade diante da vida, das pessoas, das artes e de si mesmo.


*

Nelson Motta, em crônica publicada, provavelmente, n'O Globo, provavelmente no fim dos anos 70, e aqui.

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