Receba com simplicidade tudo que acontece com você
0 Comments Published by Ronaldo Evangelista on segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010 at 11:32 PM.Assistir a um filme dos irmãos Coen é ouvir a história mais fantástica do mundo - vivida pela pessoa menos fantástica da história. O protagonista deslocado um pouco à esquerda do protagonismo é uma tradição: de Lebowski a Fargo, de Queime Depois de Ler à Hudsucker Proxy ao Homem que Não Estava Lá. Larry Gopnik, professor suburbano de física, vivendo a mais comum vida americana dos anos 60, personagem dos Coen, Um Homem Sério, segue a linha e vai além - constantemente perplexo e passivo em relação a tudo que lhe acontece, suas questões se amontoam e as epifanias passam fugazes. Sua vida é como um Livro de Jó pós-existencialista em ritmo de Woody Allen zen.
Assistimos sua história com a ilusão de que os sentidos virão, os arcos narrativos se concluirão, as pistas desencadearão respostas, os diálogos significarão algo. Mas a questão não é tornar o mundano especial, e sim tornar o mundano mundano. É grande demais o apreço dos Coen pelas idiossincrasias, twists anticlimáticos, detalhes intrigantes, pelas perguntas, pelo papel do acaso nas histórias. Os gêneros, códigos e signos das suas narrativas são deliberadamente confundidos, as definições e denominadores comuns deliberadamente escondidos, os non-sequiturs deliberadamente abundam - e tudo enriquece o que assistimos e levamos. O rei está nu e apontar a Moral da História é revelar a si mesmo. Qualquer descrição em favor de explicação levanta a questão: qual o ponto? E esse é o ponto, não há. É o princípio da incerteza, não podemos nunca ter certeza do que está acontencendo. Aceite o mistério.
Como uma grande parábola, sobre histórias judaicas típicas - ainda que inventadas -, o filme é, no máximo, sobre perspectiva; uma fábula sem moral. Cada personagem é idiossincraticamente tridimensional, cada cena caricaturalmente real, cada avanço do roteiro sadicamente engraçado. Cada vez que você se perguntar, por quê?, cada vez a resposta será irrelevante - ou não. Qual o som de uma mão batendo palma? Why does he make us feel the questions if he's not gonna us give any answers?
O prólogo do dybbuk, o gato de Schrôdinger, o Clube de Discos e Fitas da Columbia, o incrível Mentaculus, os dentes do Goy, a jornada torta do herói, a marcação genial e quase aleatória dos três rabinos - e os ensinamentos crípticos e esclarecedores de cada, como tudo está ligado e como tudo não está ligado. Para todos os efeitos, depende do que você quer pra montar seu quebra-cabeça particular de ordem do mundo. Talvez o único sequitur do filme seja seu final, no tempo forte do compasso, quase gratuito, que recoloca o universo em sua transitoriedade.
O falso ar slacker dos irmãos Coen esconde engenhosidades de roteiro dignas de Billy Wilder, clareza de filmagem digna de Stanley Kubrick, diálogos de timing perfeito dignos dos melhores filmes slapstick, o senso de humor mais afiado de Hollywood. Por trás da sua abordagem tranqüila, quase abstrata, sempre contemporizada, eles mantêm olhar sofisticado, capricho de realização, originalidade irrestrita e pura cinematografia. Cada segundo de cada frame é prazeroso de assistir, cada cena tomando seu tempo, cada diálogo ensaiado como passos de dança, como cada enquadramento, roupa e objeto de cena, cada uso muito próprio e excelente de trilha sonora. Um pouco à esquerda do protagonismo, levando as melhores histórias, é onde estão os irmãos Coen.
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